segunda-feira, 6 de março de 2017

45 - A Contribuição de Pernambuco para a Independência do Brasil


Aos movimentos que antecederam o grito do Ipiranga, a revolução de 1817 foi o mais empolgante, o mais trágico e que mais belos e fecundos exemplares deixou na história.

Repetidamente alguns historiadores o classificam como explosão de quartel, o que é inverdade palpável, porquanto houve um doutrinamento de quase vinte anos, no seio de todas as classes, especialmente no clero e no exército.

Tendo regressado da Europa, para onde fora como frade carmelita e voltara como médico, Arruda Câmara estabeleceu residência em Itambé, nas raias de Pernambuco e Paraíba, e aí fundou o célebre Aerópago, sociedade político-secreta, frequentada pelas pessoas mais notáveis das duas capitais, o qual catalogamos em nossa monografia A Maçonaria e a Revolução de 1817, como uma célula-mater da maçonaria brasileira.

Nela doutrinava Arruda Câmara pregando o nativismo e dele surgiu a conspiração que tinha por objetivo fundar em Pernambuco uma república, sob o patrocínio de Napoleão Bonaparte. Abortada a conspiração, presos alguns conspiradores, dissolvido o Aerópago, foram sucessivamente fundadas, nos moldes deste e por pessoas que o frequentavam, a Academia de Suassuna, no município do Cabo, a poucas léguas de Recife, e a Academia do Paraiso, na própria vila de Recife. Eram esses dois clubs os principais focos de apostolado republicano. Aí se doutrinavam abertamente a revolução, aí se iniciavam nos mistérios da democracia os capitães-mores das vilas do interior, daí partiam estes com instruções de fundar sociedades semelhantes por toda a capitania. O nativismo dos acadêmicos era de tal natureza que nos seus banquetes substituíam o pão pela farinha de mandioca, porque não produziam a farinha de trigo, e as saúdes eram a aguardente, porque o vinho procedia de Portugal. Às academias vieram juntar-se as lojas maçônicas, onde só eram admitidos brasileiros natos.

Como em 1710, era grande a rivalidade entre brasileiros e portugueses. Parecia, para aqueles, chegado o momento da aplicação do conselho de Leonardo Bezerra, um século antes: “Não corteis um só quiri das matas; tratai de poupá-los, para em tempo oportuno quebra-los nas costas dos marinheiros”. Padres e soldados confundiam-se nas exaltações. Emissários das academias e das lojas maçônicas são enviados, em propaganda, para o norte e para o sul. Os conjurados nada temem, tão seguros se julgam. A exaltação chega ao auge. Num brinde, em presença de uma brasileira casada com português, o tenente José Mariano, levanta a taça “à saúde das senhoras brasileiras que não tiverem dúvida em matar os marinheiros seus maridos”.

O governador Caetano Pinto recebe denúncia da conspiração. Responde com desprezo: “Os maçons se divertem. Nada podem fazer”.

Resolvem os republicanos marcar uma data para a explosão do movimento: 6 de abril de 1817. Antes, porém, na festa da Estância, capela levantada por Henrique Dias, um oficial português insulta os brasileiros e um preto do regimento dos Henrique o castiga.

Caetano Pinto resolve, então, tomar precauções. Convoca um conselho militar para o dia 6 de Março, pela manhã. Encarrega o marechal José Roberto de prender os paisanos suspeitos: Domingos José Martins, Cruz Cabugá, Vasconcelos Bourbon, Guimarães Peixoto e padre João Ribeiro, e determina que os chefes dos regimentos prendam os militares capitães José de Barros Lima, vulgo Leão Coroado, Pedro da Silva Pedroso, tenente José Mariano, 2º tenente Antônio Henrique Rabelo, e o ajudante Manoel de Souza Teixeira.

Alguns paisanos são presos sem ruído. O brigadeiro Barbosa de Castro reúne os oficiais de seu regimento e antes de os prender, dirige-lhes insultos, visando especialmente ao Leão Coroado, que num momento de cólera, o ultrapassa a espada, exclamando: “pois, morra, infame”.

E assim explodiu intempestivamente o movimento que rebentaria 30 dias depois, se não fora a precaução de Caetano Pinto, se não fora arrogância de Barboza de Castro. Corre ao erário o marechal Roberto e organiza a resistência. Informado do que houvera, o governador manda o seu ajudante tenente-coronel Alexandre Tomás ao quartel. Pedroso fuzila-o com uma descarga, porque, no conselho da manhã daquele dia, Alexandre votara pelo extermínio dos conspiradores.

Tocam os sinos a rebate. Leão Coroado estende a espada tinta de sangue e os oficiais a beijão com o juramento de vencer ou morrer. Organiza forças, distribui armas e ele próprio sai a campo.

São postos em liberdade os conspiradores presos. Domingos Teotônio assume o comando das forças e marcha contra o Erário. Roberto rende-se. Caetano Pinto refugia-se na fortaleza do Brum, recebe um ultimato e capitula, sendo-me, embarcado para o Rio de Janeiro. Triunfa a revolução e as insígnias reais são arrancadas das barretinas. O exército nomeia 17 eleitores e estes, reunidos no Erário, elegem o governo provisório: José Luiz de Mendonça, advogado; padre João Ribeiro; Domingos Teotônio, exército; Domingos Martins, comércio; Manoel Correia de Araújo, agricultura.

Há alegria popular. Solene Te-Deum na matriz de Santo Antônio. O tratamento de senhoria e mercê e substituído por vós patriota. São abolidos alguns impostos e é elevado o soldo militar. O governador do bispado faz uma pastoral entusiasta à revolução. O movimento estende-se por todas as vilas, dilata-se ao sul até Alagoas inclusive e ao norte até os sertões do Ceará. Cruz Cabugá é nomeado agente diplomático junto ao governo dos Estados Unidos para negociar o reconhecimento da república pernambucana e comprar armamentos. Cumpre aqui reproduzir uma observação de Oliveira Lima: “Foi a democracia pernambucana, da gorada república, que seis anos antes de Monroe formular sua doutrina, definiu, no Novo Mundo, o pan-americanismo”. Abatida abandeira real, cumpria criar outra da república autônoma. E assim foi criada a bandeira que, desde 1917, como homenagem aos patriotas de um século antes, é símbolo de Pernambuco.
A cerimônia de sua bênção foi imponentíssima. Em sua prédica patriótica, disse o Deão Ferreira Portugal: “Patriotas, escudados por estas bandeiras, não tenhais medo nem dos escravos do norte nem dos servandijas do sul. Eu mesmo, se vos faltar chefe, eu serei à vossa frente, tendo-me por mais feliz morrer com homens livres do que viver com vis escravos”. Era preciso que a nova república tivesse sua constituição. Projetaram uma lei orgânica para ser discutida em todas as municipalidades. Por ela – e talvez daí a causa fracasso da revolução – haveria liberdade de imprensa e liberdade de culto, igualdade de direitos de todos os cidadãos, extinção dos escravos. Até no movimento constitucionalista no Brasil, o primeiro passo foi dado pelos pernambucanos. O governo arranjou o seu exército e a sua esquadra com os elementos de que pôde dispor de momento e cogitou de uma cidade central para capital da confederação republicana, no qual, foi imitado sete anos depois, pelos revolucionários de 1824.
A Bahia, a cuja Grande loja central estavam filiadas as lojas maçônicas de Pernambuco, embora comprometida com os revolucionários, não quis ou não pôde abraçar o movimento. E foi a causa eficiente da morte da república de 1817. O emissário que lhe mandaram os republicanos – padre Roma – foi preso ao desembarcar, logo julgado por uma comissão militar e arcabuzado dois dias depois, no sábado de Aleluia, 29 de março, em presença de seu filho capitão Abreu e Lima, que , preso, foi levado ao Campo da Pólvora para assistir ao sacrifício do pai. Morreu como herói. Encarando a força, bradou: “Camaradas, eu vos perdoo a morte. Lembrai-vos , na pontaria, que aqui (pondo a mão no coração) é a fonte da vida, aturai”.

Imediatamente tratou o conde de Arcos, governador da Bahia, de mandar forças contra os revolucionários. Alagoas, premida pelo império das circunstâncias, à aproximação das forças realistas, abandonou os pernambucanos, o que lhe valeu como prêmio, o galardão de sua autonomia. Foram igualmente vitoriosas as contra revoluções do Rio Grande do Norte e da Paraíba. Fraca resistência poderia opor o governo provisório de Pernambuco, reduzido a Teotônio Jorge e padre João Ribeiro, porque Martins estava prisioneiro, José Luiz de Mendonça doente e Correia de Araújo bandeado. O processo de defesa deste último, existente no Instituto Arqueológico Pernambucano, é uma ignominia e demonstra a tibiez e abastardamento de seu caráter.

Teotônio assume a ditadura. “Ditador magnânimo” – crisma o Barbosa Lima. Está bloqueado e cercado por terra. Recebe ordem de submeter-se sem condições. Replica pedindo anistia para todos, sob pena de passar a espada os prisioneiros realistas, arrasar as casas dos portugueses e mata-los todos, ameaça que não estava nos seus cálculos, tanto que terminado o prazo do ultimatum, abandonou o Recife com o resto de seus soldados, rumo do norte, sem destino certo. Bivacou no engenho Paulista, poucos quilômetros ao norte de Olinda. No dia seguinte20 de maio, os canhões realistas saudavam a tomada de Recife e João Ribeiro procurava a morta pelas suas próprias mãos. Deu-se a debandada geral, no “salve-se quem puder”, ficando em abandono o cofre público, intacto, com quinhentos contos de reis, porque a honestidade dos patriotas era de tal natureza que nem dos honorários a que tinham direito lançaram mãos os membros do governo. Desencadeia-se a reação contra os vencidos. Levas de patriotas eras remetidas para a Bahia enquanto os cabeças da revolução eram levados à forca um por um e após o suplício, cortadas cabeças e mãos para serem expostas em lugares públicos como pasto aos corvos, e atados os troncos à calda de cavalos bravios!... Subindo ao patíbulo, o magnânimo ditador Domingos Teotônio Jorge exclamou para a multidão: “Meus patriotas, a morte não me aterra; aterra-me a incerteza do juízo da posteridade”. A posteridade julgou o movimento de 1817 considerando de festa nacional, cem anos depois, o dia em que os patriotas pernambucanos realizaram o seu projeto de vida efêmera.

Por: Mário Melo – Revista Illustração Brasileira 1922

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