segunda-feira, 6 de março de 2017

4 - O Início da Revolução Pernambucana


No dia 01 de março de 1817, o comerciante português Manuel de Carvalho Medeiros assinou uma denúncia de conspiração, confirmada por várias pessoas, encaminhada ao Ouvidor da Comarca do Sertão, José da Cruz Ferreira.

Diante dos ânimos exaltados e da denúncia formal, com a intenção de evitar um levante, em 04 de março o governador comunicou uma ordem do dia para as tropas, chamando-as à obediência à monarquia e à harmonia entre brasileiros e portugueses. No dia 05 de março, dirige uma proclamação à população louvando a elevação do Brasil à categoria de Reino Unido, dizendo que todos eram vassalos do mesmo soberano. No dia 06 de março de 1817, o governador ordena o estado de alerta nos fortes e quartéis, realiza um Conselho de Guerra, ordenando a prisão imediata de treze pessoas entre acusados e suspeitos, principalmente os militares, para neutralizar qualquer resistência.

Os civis foram presos com facilidade. Entretanto, no Regimento de Artilharia, o brigadeiro português Manoel Joaquim Barbosa de Castro, ao insultar oficiais brasileiros e decretar a prisão dos militares acusados, foi imediatamente atravessado pela espada do capitão José de Barros Lima, conhecido como “Leão Coroado”, seguido no ataque por seu genro, o tenente José Mariano de Albuquerque Cavalcanti.

Ao saber do ocorrido, o governador prontamente enviou seu ajudante de ordens, tenente-coronel Alexandre Tomás para sufocar a rebelião. Este, ao entrar no quartel, gritando ordens aos amotinados, foi morto por tiros comandados pelo capitão Pedro da Silva Pedroso.

Os militares rebeldes do quartel da artilharia foram para as ruas e em pouco tempo ocuparam os bairros de Santo Antônio e do Recife, no centro da cidade, libertando os civis republicanos que estavam presos. Temendo ser aprisionado e não confiando em suas tropas, o governador, acompanhado de alguns militares da guarda do palácio, refugiou-se na guarnição da Fortaleza do Brum, junto ao porto.

O marechal José Roberto Pereira da Silva, Inspetor-Geral dos Milicianos da Capitania, resiste com alguma tropa no Campo das Princesas, onde se situam o Palácio do Governo e a Casa do Erário(4), mas a falta de munição e de orientações do governador convence-no a se render. Acompanhado de seus homens, é permitido juntarem-se ao governador na Fortaleza do Brum.

A rebelião ganha adesão das camadas mais pobres da população. Os bairros São José e Boa Vista são dominados pelos revoltosos. Os comerciantes portugueses, temendo agressões e saques, fecham suas lojas e se escondem ou abandonam Recife com suas posses, fugindo para a Bahia e informando os fatos a seu governador.

Já no dia 07 de março, com Recife e Olinda dominadas, a notícia da revolução espalha-se pelo interior da capitania. Proprietários de terras dos arredores e comandantes de outras guarnições militares vêm à capital garantindo apoio.

Cercado na fortaleza com poucos militares e funcionários, sem condições de resistir, o governador assinou um ultimato que lhe foi levado pelo também revolucionário juiz José Luís de Mendonça, entregando o governo da capitania aos revoltosos. No dia 09 de março de 1817 embarcou com os sitiados da fortaleza para o Rio de Janeiro. Ao chegar na capital do reino em 25 de março, confirmou a notícia da revolução ao Ministro Interino dos Negócios Estrangeiros, Antônio de Araújo e Azevedo, o primeiro conde da Barca, que responsabilizando o governador deposto pela derrota, imediatamente o recolhe preso à Ilha das Cobras, onde ficará por quatro anos, ocupando depois cargos na corte carioca

Enquanto isso, em Recife, o governo republicano se consolidava com rapidez. Ainda em 07 de março, inspirados no Diretório francês de 1795, foram reunidos dezesseis dos mais notáveis cidadãos locais, dos quais dois eram negros, e elegeram uma junta com cinco membros representantes das categorias que lideravam o movimento, tendo como presidente o padre João Ribeiro Pessoa de Mello Montenegro. No dia 08 foi criada a Secretaria de Estado, entregue, a princípio, ao mesmo secretário do governo português anterior, José Carlos Mayrink da Silva Fernão e, posteriormente, ao padre Miguelinho. Criou-se nesse mesmo dia o Conselho de Estado, com função de prestar assessoria à Junta Governista.

A Presidência do Erário ficou a cargo do rico negociante Antônio Gonçalves da Cruz (Cabugá) que, ao partir como embaixador para os Estados Unidos, a entregou a Gervásio Pires Ferreira.

Nomeou-se o tenente Felipe Nery Ferreira como Juiz de Polícia; a Domingos Theotônio Jorge Martins Pessoa como General-em-Chefe do Exército e como General de Divisão a Francisco de Paula Cavalcanti de Albuquerque, vulgo Suassuna, então Capitão-Mor de Olinda.

Desde o início, o governo procurou o apoio da elite local, evitando radicalismos, conciliando interesses de brasileiros e portugueses, respeitando os compromissos com a Igreja Católica e confirmando a propriedade dos senhores sobre suas terras e escravos. Os revolucionários afirmavam que, apesar de necessária, a abolição da escravidão só seria realizada a longo prazo e com as garantias legais.

Na proclamação de 29 de março, o governo revolucionário anunciava a convocação de uma Assembléia Constituinte formada pelos representantes eleitos de todas as comarcas, estabelecia a separação entre os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, mantinha o catolicismo como religião oficial – mas tolerando os demais cultos cristãos – e proclamava a liberdade de imprensa. Anunciava ainda que o governo provisório seria imediatamente substituído pelo governo eleito após a aprovação da Constituição da República. (Andrade, 1995:19).

Para conquistar a simpatia do povo, este projeto de Lei Orgânica (que é o primeiro texto constitucional brasileiro) aumentou em três ou quatro vezes o soldo dos militares e promoveu os oficiais revoltosos, alguns em até três graus na hierarquia. Os impostos sobre a carne e outros alimentos essenciais foram abolidos, proibiu-se a detenção por simples denúncia, estabeleceu que os estrangeiros da região que dessem provas de adesão seriam considerados "patriotas" e permitiu-se a permanência de portugueses que não se opusessem ao modelo republicano. Garantiu o direito de propriedade (inclusive de escravos), anulação de processos civis e criminais movidos pela Coroa Portuguesa, o sequestro dos bens dos negociantes que fugiram por causa da revolução e determinou-se a cunhagem de novas moedas.

Adotou-se uma nova bandeira e, imitando a Revolução Francesa, substituiu-se o tratamento português de “vossa mercê” por simplesmente “vós” de forma a destacar a igualdade entre as pessoas, além de tratarem-se pelo termo “patriota” ou usarem este no lugar de usual “senhor”. Alguns padres mais entusiasmados, para marcar a identidade nativa, usaram aguardente nas missas em lugar do vinho e hóstias feitas de mandioca em lugar do trigo.

Para a publicação das leis e outras resoluções, se fundou em Recife a primeira tipografia da capitania (e terceira do Brasil, onde, à época, funcionavam apenas a Impressão Régia, no Rio de Janeiro, e a tipografia de Manuel Antônio da Silva Serva, na cidade de Salvador).

Entretanto era difícil o consenso dos interesses entre os envolvidos: senhores de engenho, escravos libertados, militares e intelectuais que desejavam emprego na administração pública.

Alguns dos participantes apenas ganhavam tempo, aguardando uma reação das forças leais ao governo português. Manuel Correia de Araújo, membro da Junta Governista representando os senhores de engenho, viria mais tarde colaborar com as forças governistas de repressão. Antônio de Morais Silva, senhor de engenho e respeitado intelectual, autor de um famoso dicionário, não compareceu às reuniões do Conselho de Estado para o qual foi nomeado, sempre alegando doença. Outros, como Francisco de Paula Cavalcanti de Albuquerque, que comandou o ataque das forças militares pernambucanas, tiveram atitudes dúbias quando a revolução foi derrotada.

Além do conflito de interesses, havia uma grande massa de escravos em relação aos quais era necessário tomar decisões claras. Entre os revolucionários mais radicais, existiam os que propunham a abolição do trabalho servil, como forma a ganhar a adesão destes. Esta posição encontrava forte oposição dos proprietários rurais, cuja riqueza dependia do trabalho escravo.

Após debates iniciais, as lideranças revolucionárias assumiram uma posição ambígua quanto à questão. Os escravos não foram libertados e a participação dos negros no movimento tornou-se limitada.

FonteSylvio Mário Bazote – Historiador e Psicólogo de Juiz de Fora – Minas Gerais

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