segunda-feira, 6 de março de 2017

36 - O Jornal do Commercio falando sobre a Revolução de 1817

1817: Revolução com as cores de Pernambuco

A Revolução 1817 completa dois séculos, nesta segunda (6), mas ainda é episódio pouco explorado na história do Brasil

Eram 10h da manhã do dia 6 de março de 1817 e o clima no Recife parecia calmo. Sinais de insatisfação com a Coroa Portuguesa vinham sendo emitidos, mas nem de longe se tinha a sensação de que estava prestes a irromper um dos movimentos mais emblemáticos da história pernambucana. Uma hora depois a aparente tranquilidade foi cortada com golpe de espada. O sangue derramado sobre o peito do brigadeiro Manoel Joaquim Barbosa de Castro foi o estopim para o início da revolução, que vinha sendo maturada em fogo brando, mas que explodiu antes da data prevista. Pela cidade, ressoavam os gritos de “Viva a Pátria! Mata Marinheiro!”. Era desse modo que os brasileiros se referiam aos portugueses. A essa altura, nos primeiros disparos, o governador da província já tinha fugido para se abrigar no Forte do Brum, de onde sairia direto para o Rio de Janeiro. Os revoltosos montaram um governo provisório e deram a chance ao governador de sair da província sem confronto. Apesar de registros o apontarem como bom administrador, a coragem não era traço marcante da personalidade de Caetano Pinto.

O relato da cena foi contado há 200 anos pelo comerciante francês Louis-François Tollenare, que viveu no Recife entre 1816 e 1818. Nesta segunda-feira (6), a revolução completa dois séculos, mas ainda é um episódio pouco explorado na historiografia brasileira.

Em 1817, o caldeirão da insatisfação fervia na província de Pernambuco, que tinha histórico de movimentos nativistas, como a expulsão dos holandeses (1654) e a Guerra dos Mascates (1710). O desembarque da Família Real no Rio de Janeiro em 1808 só aumentou a fervura da indignação. Havia uma forte discrepância social entre a vida na Corte e nas províncias – o que se arrecadava aqui era enviado para o Rio a fim de manter o estafe de Dom João VI. Fora isso, uma seca devastadora assolou a região em 1816, no mesmo momento em que a produção de açúcar em outros países fez o preço do produto nordestino despencar. “Paga-se em Pernambuco um imposto para iluminação do Rio de Janeiro, quando as do Recife ficam completamente às escuras”, descreveu o inglês Henry Koster, que viveu no Recife no período.

E foi neste caldo que a luta estourou.

Não à toa, a revolta também é chamada de Revolução dos Padres, uma vez que o Seminário de Olinda foi o nascedouro do movimento. Letrados e com acesso à informação, os religiosos tiveram papel crucial na formação do governo provisório, que durou 75 dias. O padre João Ribeiro, um dos líderes do movimento, tinha uma biblioteca fora dos mosteiros e abria o espaço à comunidade, conta Betânia Corrêa de Araújo, presidente do Museu do Recife. No Forte das Cinco Pontas, onde funciona o Museu, estreia dia 12 uma exposição sobre o período.

“A Revolução Republicana de 1817 se destaca não só por ter sido o primeiro movimento efetivo no sentido da independência do Brasil, mas também porque foi a única insurreição anticolonial que conseguiu tomar o poder em toda história da monarquia portuguesa”, explica o historiador George Cabral, professor da Universidade Federal de Pernambuco e presidente do Instituto Arqueológico Histórico e Geográfico Pernambucano (IAHGP).

Apesar da onda de insatisfação à época, o movimento vinha sendo pensando para a Semana Santa de 1817, em abril, mas foi adiantada por causa de um decreto de prisão emitido pelo governador Caetano Pinto Montenegro. A lista vazou e os revolucionários reagiram à ordem. A morte do brigadeiro por Leão Coroado deflagrou o movimento.

A partir daí, instalou-se o governo provisório que tomou várias decisões para garantir os direitos de cidadania e as liberdades individuais dos novos republicanos – formado em sua maioria pelos senhores de engenho, padres e comerciantes. Uma lei orgânica com 28 artigos norteou os revolucionários e a liberdade de imprensa foi uma das conquistas. O Preciso foi um panfleto divulgado na época que propagou a revolta.

Outra marca presente até hoje é a bandeira de Pernambuco – composta por um fundo azul e branco. Sobre a faixa azul, figuravam um arco-íris, como símbolo da união, três estrelas (representando Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte) e o sol da liberdade.

ESCRAVIDÃO x ABOLICIONISMO

Embora embebida dos ideais da Revolução Francesa, que estourou 28 anos antes, a Revolução de 1817 não tocou no regime escravocrata. O tema é, inclusive, alvo de discussão na academia. Os líderes tinham ideias abolicionistas, mas para levar o pensamento adiante era preciso romper com o status quo da época. “Era algo muito capilarizado e mexer nesse estrutura era tocar em algo essencial dessa sociedade e é onde se encontram os limites da revolução. Havia boatos que iriam abolir a escravidão, mas o governo provisório precisou publicar uma nota informando o contrário”, explicou Cabral. No texto, o governo dizia: “A suspeita de vocês muito nos honra, porque a escravidão é ruim, mas vamos respeitar as propriedades privadas, mas desejamos abolir a escravidão gradualmente”, pontua o professor.

“A escravidão é o grande bode na sala da Revolução Pernambucana. Seus documentos defendiam ideais republicanos e liberais, inspirados pela Revolução Francesa, e propunha que todos os seres humanos nasciam livres e com direitos iguais. Apesar disso, em momento algum as proclamações de 1817 sugerem o fim do tráfico negreiro ou a abolição. O motivo é bem simples: alguns dos principais líderes do movimento eram senhores de engenho. Pertenciam, portanto, à mais fina flor da aristocracia rural escravagista da época. Um dos filhos do líder revolucionário Domingos José Martins, homônimo do pai, se tornaria alguns anos mais tarde o maior traficante de escravos na costa do Benin, na África, onde até hoje existe uma numerosa família de descendentes dele. Havia, claro, gente com simpatias abolicionistas no movimento, mas o tema era explosivo demais para ser defendido publicamente”, destaca o jornalista e escritor Laurentino Gomes, autor do livro “1808” sobre a chegada da família real portuguesa ao Brasil.

Foram 75 dias da República Pernambucana, que caiu por terra diante da falta de apoio das outras províncias, pelas falhas na organização militar do território e por contradições internas, mas os princípios de liberdade, ética e a ampliação dos direitos do cidadão perpassaram os séculos e continuam vivos.

Os líderes foram mortos ou presos e documentos históricos foram destruídos a mando do Rei para evitar novas revoltas. Pouco explorada pela história brasileira, a Revolução de 1817 é considerada de suma importância para os ideais de Independência, em 1822. Pelo seu caráter regional, Paraíba, Rio Grande do Norte e parte do Ceará se juntaram ao movimento, mas capitularam rapidamente.

Em 19 de maio, uma força de oito mil homens cercou Pernambuco e executou os envolvidos. Como punição, a Coroa tirou de Pernambuco o território de Alagoas. “Celebrar o Bicentenário da Revolução de 1817 é também relembrar a importância destes valores para os nossos dias”, defende George Cabral.

Fonte: JC Online – Publicado em 05/03/2017 / Por: Diogo Guedes e Marcela Balbino



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Revolução de 1817, uma história ainda pouco ensinada. Na historiografia e nas escolas, a Revolução de 1817 ainda pode ser um assunto com destaque

Diogo Guedes

A maioria dos estudantes sabe, sem muito titubear, dizer quem foi Tiradentes, o mártir da Inconfidência Mineira. A conspiração que tentava contestar a Coroa Portuguesa nunca saiu do campo dos planos, mas ainda assim se tornou o símbolo da luta pela independência do Brasil. Ao mesmo tempo, poucos sabem dizer um nome que seja que esteve entre os líderes da Revolução de 1817: Domingos José Martins, Padre João Ribeiro, Padre Roma, Bárbara de Alencar ou Cruz Cabugá não significam quase nada para eles, ainda que tenham conseguido tomar o poder e estabelecer, antes de todos, a independência e a até mesmo a República no Brasil por mais de dois meses.

A Revolução de 1817 é fato essencial para se entender a contestação da colônia ante à Coroa. Ainda assim, é um assunto que parece menos vivo na memória – e talvez nas salas de aula – dos brasileiros. Para a historiadora Socorro Ferraz, o tema é de fato pouco abordado, sintoma da falta de ênfase ao estudo da disciplina no País. “A Revolução Pernambucana de 1817 é pouco estudada nas escolas, assim como outros fatos da história do Brasil, porque nunca se fez um estudo do papel da disciplina História e seus conteúdos na formação dos jovens brasileiros”, opina. “Seria interessante se a Secretaria de Educação do Estado de Pernambuco criasse algum mecanismo que pudesse avaliar o conhecimento da história do Brasil e a expectativa dos jovens em relação ao seu País.”

Com a consolidação do Enem, um teste nacional, nos últimos anos, assuntos vistos como “regionais” como Revolução de 1817 são menos cobrados no exame, como ressalta o professor de história Luiz Paulo Ferraz. No entanto, isso não significa que o movimento não seja abordado em sala de aula: continua parte do conteúdo programático e ainda é valorizado. “Com a instalação da Data Magna e o bicentenário agora, o interesse está maior. Alguns estudantes conhecem até o nome de personagens de 1817, isso me chama a atenção”, aponta Luiz Paulo.

Com o também professor Rodrigo Bione, Luiz Paulo comanda neste sábado (11/3), das 8h às 10h30, no Parque 13 de Maio, uma aula pública sobre o movimento. É parte do projeto História ao Ar Livre, que acontece em vários pontos da cidade desde 2015. “É uma forma de ocupar a cidade com cultura, fazer com que as pessoas conheçam mais sobre a cidade. É uma aula diferente, com música, poesia. Os temas fogem do que abordamos em sala de aula: é uma conversa mais dinâmica”, descreve o professor.

Para incentivar o debate sobre 1817 nas escolas, o Governo do Estado anunciou que vai colocar a Revolução de 1817 como parte do conteúdo programático deste ano. Até 26 de maio, a Secretaria Estadual de Educação recebe redações de alunos de escolas estaduais com o tema da Revolução de 1817. Também vai vai veicular campanha educativa com vídeos feitos pelo grupo Mão Molenga Teatro de Bonecos como forma de popularizar com o público a Revolução de 1817. Na segunda, a Biblioteca Pública do Estado de Pernambuco inaugura uma exposição com documentos sobre o movimento.

PERSEGUIÇÃO

A pouca difusão – ainda mais grave fora de Pernambuco – da Revolução de 1817 não foi algo casual. A Coroa Portuguesa mandou apagar e destruir documentos da época, pois tinha medo de despertar o desejo pela independência. Durante o período monárquico, o movimento foi relegado para ocultar as suas aspirações republicanas. Quando a república chegou de fato, em 1889, a historiografia oficial brasileira já tinha escolhido Tiradentes como herói e seguiu privilegiando os eventos do centro econômico do País.

“A manutenção da integridade territorial era considerada a maior de todas as conquistas da América Portuguesa. Para a elite da época, a hipótese de uma divisão ou separação do território era impensável. Por essa razão, a revolta pernambucana tinha de ser rapidamente jogada no esquecimento. O quanto menos estudada fosse, especialmente em salas de aulas, melhor”, comenta o jornalista Laurentino Gomes, autor de obras históricas como 1808, 1822 e 1889. “E foi o que aconteceu nos dois séculos seguintes, ou seja, um esforço deliberado para esconder o que, na época, era considerado um mal exemplo para as demais províncias.”

Para a escritora, psiquiatra e pesquisadora Maria Cristina Cavalcanti, autora do livro Olhos Negros, é triste que ninguém saiba quem é o Padre João Ribeiro, por exemplo, o líder intelectual da 1817. “Para Pernambuco, o único herói de uma revolução é Frei Caneca. Por que um é conhecido e o outro não? Porque com Frei Caneca já havia a imprensa para divulgar ideias. Foi a Revolução de 1817 que ajudou a contribuir para isso, ela é, de certa forma, a mãe da imprensa livre brasileira”, destaca a autora.

ESQUECIMENTO

Para o historiador e cientista político Vamireh Chacon, vencedor do Prêmio Machado de Assis pelo conjunto da obra, 1817 é pouco estudado, mas o problema é mais amplo. “Não sou saudosista, mas os brasileiros estão se esquecendo do Brasil. Até Minas Gerais conhece pouco a sua Inconfidência, hoje em dia”, dispara. Segundo ele, a Revolução Pernambucana é essencial porque seu pleitos são atuais – ainda mais quando os rumos do País estão em debate. “1817 é hoje. A Independência ainda é hoje, a República ainda é hoje, e o federalismo da Confederação do Equador ainda é hoje”, vaticina.

Por: Diogo Guedes

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