Nenhuma região do Brasil, em tempos coloniais, no Império ou sob a República, foi palco de tantas rebeliões quanto o Nordeste brasileiro. Desde o limiar da colonização, quando Arcoverde, o grande chefe tabajara, insurgiu-se contra Duarte Coelho Pereira, que intentou usurpar terras de sua aldeia, até os movimentos dos trabalhadores contra o arbítrio instalado no País pelo Movimento Militar de 1964, os nordestinos inscrevem seus nomes na História Pátria com ousadia e destemor; às vezes com o próprio sangue. Assim foi com os republicanos libertários de 1817 e 1824, assim foi também com o místico Antônio Conselheiro e seguidores que não engoliram a república militarista nascida de golpe de Estado contra o governo constitucional. O emblemático movimento rebelde de 1817, prenunciador da Revolução do Equador ocorrida sete anos depois, é o tema sobre o qual discorremos neste texto. Lugar de honra deve ocupar este momento na História do Brasil, tanto pela intensidade do evento conspiratório em terras pernambucanas quanto pela feição de luta pela liberdade e consecução de sagrados direitos de cidadania, já naquela época gravados nos corações de um povo cheio de esperança e idealismo, além de movido por inquebrantável espírito patriótico.
Não há conspiração
que alcance as graças do povo sem que haja motivação social e econômica para
deflagrá-la. Pelo bem ou pelo mal, todo ato de rebeldia assenta-se em
condicionantes sócioeconômicas que visam a mudanças no status quo. Quase sempre
as insurreições fundam-se nas insatisfações com governos incapazes, injustos,
arbitrários. Estes, com efeito, foram motivos para que um grupo de
insatisfeitos com os rumos do governo da capitania de Pernambuco, comandada por
Caetano Pinto Montenegro, tomasse a iniciativa de liderar um processo de
insurgência, sobretudo contra os impostos exorbitantes, a partir do ano de
1816.
Tudo começou, anos
antes, no limiar do século XIX quando o dr. Manuel de Arruda Câmara fundou em
Itambé, lugar então limítrofe com a Paraíba, um clube denominado Areópago, uma
referência ao famoso tribunal ateniense em que eram julgadas as causas de
interesse do povo. O objetivo primordial do clube era lutar pela independência
do Brasil consoante os parâmetros liberais, cujas influências provinham da
Revolução Francesa. Então, de fato, pode-se afirmar que a revolução de 1817
teve um caráter liberal e teve sua gênese no clube fundado pelo dr. Arruda
Câmara.
Açodados os
espíritos pelos ventos da Revolução Francesa, cujo viés libertário se espargia
por toda a América Latina, especialmente pelas províncias do Nordeste
brasileiro, eis que de propósito retorna ao Recife, vindo da Inglaterra, o
comerciante brasileiro Domingos José Martins, que mantinha prósperos negócios
em Londres. Influenciado pelo convívio com uma monarquia constitucional e
democrática, este homem era ardoroso defensor das liberdades públicas e dos
direitos humanos, tendo sua chegada a Pernambuco incendiado a alma dos
patriotas que ansiavam pelo rompimento dos laços entre Brasil e Portugal.
Domingos José Martins conseguiu, em pouco tempo, articular um movimento
cívico-militar do qual participavam importantes personalidades da sociedade
pernambucana, gente bem informada e capaz, disposta a sacrificar a vida pela
causa da liberdade.
Em face do
crescimento da conspiração, pois nas ruas se falava abertamente em
independência e república, o governador Caetano Pinto Montenegro reúne
emergencialmente, no dia 6 de março de 1817, os chefes militares que lhe deviam
lealdade, para mostrar-lhes o perigo em que encontrava-se o governo em face dos
acontecimentos conspiratórios que haviam se alastrado a olhos vistos, ganhando
o apoio de considerável parcela da população. Na reunião convocada pelo
governador decidiu-se, de logo, que o Marechal José Roberto se encarregaria de
providenciar a detenção do movimento, aprisionando os civis, enquanto os
militares seriam presos pelos superiores hierárquicos. Domingos José Martins
foi o primeiro a ser recolhido à Cadeia Pública da Cidade do Recife.
A bravura do capitão
Barros Lima, o Leão Coroado
A revolução vinha
sendo preparada há vários anos e o espírito rebelde já tomara conta da
população. A inabilidade de um comandante, no entanto, constitui motivo para a
antecipação dos acontecimentos. O 6 de março não era a data aprazada para a
deflagração dos atos rebeldes, mas o dia seguinte. O destino é que muda o rumo
da história. No Regimento comandado pelo Brigadeiro Manuel Joaquim Barbosa de
Castro, homem de têmpera rústica, havia dezenas de oficiais que pautavam pela
revolução.
Ignorante e rude,
Barbosa de Castro entende que o Brasil não é uma nação, mas uma fazenda de
Portugal e seus moradores deviam ser tratados a chicote. Ele os tratava com
desprezo e, sempre que havia oportunidade, atacava-os, ferindo-lhes a dignidade.
Incumbido de prender os conspiradores seus subordinados, reúne a tropa no pátio
do quartel e, em vez de cumprir de imediato a missão de que estava incumbido,
resolve fazer um longo discurso para afrontar os oficiais brasileiros. O
Capitão Domingos Teotônio eleva um brado de protesto, tendo sido preso
imediatamente e levado à masmorra pelo Capitão Antônio José Severiano.
Não tendo havido
qualquer reação por parte dos demais oficiais ante a prisão do companheiro,
pareceu ao Brigadeiro Barbosa de Castro que a razão estava com ele e que os
brasileiros não passavam de pusilânimes. Destarte, continua sua falação
desatinada, norteada pela insolência. A poucos passos estava perfilado e atento
o Capitão José de Barros Lima. O Brigadeiro aproxima-se do subordinado e lhe dá
voz de prisão. Sequer termina de falar e Barros Lima, com rapidez meteórica,
empunha a espada e enterra-a no peito de Barbosa de Castro. Quatro estocadas. O
Brigadeiro, peito a sangrar, cai ao chão já sem vida. A cena foi tão rápida que
ninguém conseguira impedir o ato de bravura do Capitão José de Barros Lima,
cognominado com justiça de Leão Coroado. O Capitão Pedro da Silva Pedrosa
assume o comando do quartel, de vez que todos os militares portugueses ali
destacados fugiram em debandada.
A revolução explode
na tropa e nas ruas
Informado dos
acontecimentos, o governador Caetano Montenegro, sobressaltado, envia o
Tenente-coronel Alexandre Tomás para debelar a revolta no quartel onde o Leão
Coroado havia dado cabo da insolência do comandante. Imprudente, o coronel
julga-se capaz de deter o incêndio revolucionário que toma conta do quartel e
dá ordens destemperadas, semelhantemente ao brigadeiro morto. O Capitão Pedrosa
manda que ele se cale. O coronel não obedece e é morto pela tropa. Em fúria, a
onda revolucionária se espalha por toda a cidade. Tumulto, algazarra, gritos
sediciosos, pessoas do povo, revoltadas, espancam portugueses. Soam clarins e
tambores, disparam-se tiros, bimbalham o sino das igrejas em sinal de que a
revolução está nas ruas. Patriotas exaltados discursam nas praças e concitam o
povo a aderir à revolta. O governo está à deriva.
O governador Caetano
Montenegro não consegue mais dominar a situação, seus seguidores fogem. Ele
mesmo procura refugiar-se na Fortaleza do Brum, para rearticular a defesa do
governo. É tarde demais, porque os revolucionários que haviam sido presos já
estão todos na rua, incitando a população. Os portugueses, no entanto, ainda
insistem na resistência e homiziados no Arco da Conceição intentam destruir a
ponte de Santo Antônio, no que são impedidos pelo Tenente Antônio Henriques,
que os desaloja de suas posições. Os bairros Boa Vista, São José e Santo
Antônio, de Recife, já foram dominados pelos rebeldes. Só a Fortaleza do Brum,
onde estão o governador e membros de seu staff, mantém-se incólume. No dia
seguinte, 7 de março, à frente de cerca de 800 homens o Capitão Domingos
Teotônio concentra-se em frente ao quartel-general em que está o governador
que, em face das circunstâncias, não tinha outra alternativa a não ser a
capitulação. Ele e todos os que o acompanhavam entregam-se aos revolucionários.
O governador Caetano Montenegro tem seus direitos respeitados e é enviado para
o Rio de Janeiro.
Junta governativa
ganha apoio popular
Assenhoreados do governo
da província, de imediato, os revolucionários formaram uma Junta Governativa na
qual figuravam Domingos José Martins, Domingos Teotônio, padre João Ribeiro,
José Luís de Mendonça e Manoel Correia de Araújo. Para auxiliar no exercício de
governo foi criado também um Conselho Consultivo, no qual assoma a figura de
Antônio Carlos de Andrada, nome que mais tarde figura entre os proclamadores da
independência do Brasil. A Junta Governativa, sem delongas, declara Pernambuco
separado de Portugal e adota medidas moralizadoras para conquistar o apoio das
massas insatisfeitas com a Coroa portuguesa. Dentre as resoluções publicadas,
está a que não permite que os membros da Junta recebam salários e a que abole
castigos humilhantes a prisoneiros.
As capitanias da Paraíba,
Alagoas e Rio Grande do Norte não tardam a aderir à revolução vitoriosa e o
padre José Inácio Ribeiro de Abreu e Lima, o padre Roma, é enviado à Bahia com
o fito de conseguir a adesão daquela província. Roma cometeu a ingenuidade de
demorar-se em pregação republicana nas Alagoas e, ao chegar a Salvador, não lhe
foi dado sequer desembarcar, porque sabedoras dos acontecimentos em Pernambuco,
as forças portuguesas da cidade prenderam o padre no navio que o levou à Bahia.
O jovem e entusiasta
padre José Martiniano de Alencar, no ardor da mocidade, vai ao Crato, no Ceará,
e consegue êxito na pregação republicana junto ao povo, proclamando a
independência na Região do Cariri cearense. Mas, paradoxalmente, não demora ser
preso e despachado para Fortaleza. Nesse ínterim, o governo central, no Rio de
Janeiro, toma medidas para sufocar a revolta. Os líderes do movimento
revolucionário em Pernambuco, apercebendo-se do perigo iminente, resolvem
armar-se como pátria independente e enviam aos Estados Unidos Antônio Gonçalves
da Cruz, o Cabugá, cuja missão era comprar armas e conseguir do governo
norte-americano o reconhecimento da nova república sul-americana.
Dificuldades e
tropeços do movimento revolucionário
Ciente da gravidade
da situação em Pernambuco e províncias circunvizinhas, o governo central decide
adotar medidas rigorosas para acabar com a sublevação. No dia 2 de abril, envia
à área conflagrada uma esquadrilha de quatro navios sob o comando do chefe de
Divisão, Rodrigo Lobo. Para auxiliá-lo na empreitada, é designado o
tenente-general Luís Rego, a quem entregam uma frota de dez barcos com tropas
armadas. A este é dada ainda a incumbência de chefiar a campanha militar e
retomar o governo de Pernambuco. Essas tropas cercam a cidade do Recife por
terra e por mar, de modo que nada entrava e nada saía sem o consentimento de
Rodrigo Lobo. A situação dos revolucionários começa a ficar insustentável. Como
se não bastasse, o intrépido Conde dos Arcos, governador da Bahia, fidelíssimo
ao rei, envia ao interior de Pernambuco grande contingente de soldados que
fecha todos os caminhos que levam a Recife e vilas das imediações.
Os revolucionários
do Rio Grande do Norte e da Paraíba carecem de reforços que nunca chegaram. Daí
é que, fenecido o entusiasmo inicial e diante da escassez de apoio logístico,
essas capitanias retornam à obediência ao governo central. No Ceará, a vitória
inicial no Cariri foi fugaz e os republicanos caem em completa desgraça,
ocorrendo o mesmo nas Alagoas. Em Pernambuco, os rebeldes sozinhos e cercados
por todos os lados, lutam desesperadamente para salvar a revolução que parecia
vitoriosa junto ao povo. Enquanto Cabugá não chega com as armas compradas nos
Estados Unidos, a liderança revolucionária tenta convencer o povo a formar
batalhões patrióticos. O desespero chega a tal ponto que os chefes da revolução
determinam a evacuação da ilha-presídio de Fernando de Noronha. Guarnição e
presos devem ser transferidos para Recife para lutarem contra as forças
portuguesas. A iniciativa não vinga. O povo, a esta altura, não mais demonstra
entusiasmo para defender o movimento. O desânimo total chega ao seio da
população quando a Junta Governativa decreta o recrutamento geral sob pena de
morte para os desobedientes.
Por outro lado, os
ricos que inicialmente definem-se pela revolução, agora ficam contra ela em
razão do decreto que torna livres cerca de mil escravos, convocados a lutar em
defesa da república cambaleante. Faltam víveres, tudo está escasso. Muitas
famílias, amedrontadas, fogem de Recife e Olinda. E para aumentar o desespero
chega a notícia de que a tropa de Domingos José Martins fora destroçada às
margens do riacho Merepes pelas forças do português Antônio dos Santos. Com a
prisão de Domingos Martins, esfacela-se a Junta Governativa, que agora está
composta apenas pelo padre João Ribeiro e por Domingos Teotônio, uma vez que,
profundamente decepcionados com o rumo dos acontecimentos, o dr. José Luís de
Mendonça e o coronel Correia de Araújo desistem da luta. Do Conselho Consultivo
só dois membros dão sinal de vida: o dr. Pereira Caldas e o desembargador
Antônio Carlos.
A mensagem do
desespero na hora da derrota
No dia 25 de abril,
sabedor das condições adversas em que estavam os revolucionários, Rodrigo Lobo
aporta em Recife com os seus quatro navios de guerra. Exige a capitulação da
Junta Governativa, mas esta não deseja fazê-lo com desonra e faz do ouvidor
José da Cruz Ferreira emissário de intermediação em que o governo republicano
demonstra interesse em entregar as armas, desde que seja concedida anistia a
todos os rebeldes bem como direito de saírem do País quando assim o entenderem.
Rodrigo Lobo, em vantajosa posição militar, diz que a capitulação deve ser sem
qualquer concessão da parte do governo português. O ouvidor contra-argumenta.
Os revolucionários
ainda dispunham de armas e de prisioneiros, cujo destino pode ser trágico caso
o comandante português permaneça impassível. Rodrigo Lobo não contemporiza. O
ouvidor retorna à terra com a angustiosa notícia e, em face da arrogância do
comandante português, os patriotas que ainda estão dispostos a lutar concedem
poderes ditatoriais a Domingos Teotônio, que insiste, por intermédio do
ouvidor, na proposta de rendição com anistia e pede resposta até 13 de maio,
sem a qual ele mandará degolar todos os prisioneiros, tanto oficiais militares
quanto civis do partido do Rei.
No desespero da
derrota, o agora ditador Domingos Teotônio ameaça: os bairros Santo Antônio e
Boa Vista, de Recife, serão arrasados e incendiados caso sua proposta não seja
aceita. E mais: todos os portugueses de nascimento serão passados à espada.
Arrastam-se as tensas negociações, que soam mais como um rosário de ameaças de
ambos os lados. Chega o dia 18 de maio, sem que solução plausível tenha sido
alcançada. Continua o aterrorizante impasse.
A desolação do
exército revolucionário em retirada
Domingos Teotônio
não era louco e jamais cometeria as atrocidades que prometera. Estava blefando,
mas Rodrigo Lobo não cai na armadilha discursiva. Na manhã do dia 19 de maio de
1817, a população de Recife vê compungidamente uma cena dolorosa. O exército
revolucionário, um séquito de homens cansados e famintos, marcha na direção da
Soledade e, depois, ruma para Olinda. Ninguém tem ideia ao certo do que está
ocorrendo. A cena é verdadeiramente desoladora. Um alquebrado Domingos
Teotônio, rosto a estampar imenso desânimo, vai a cavalo à frente da tropa. A
pé, descalço e maltrapilho, segue o padre João Ribeiro Pessoa de espingarda a
tiracolo. Mais atrás, também descalço, cabisbaixo, marcha o padre Pedro de
Sousa Tenório; a acompanhá-lo o desembargador Antônio Carlos, não menos
entristecido do que os demais. Nesta tarde não se ouve mais qualquer barulho ou
som de tambores ou clarins. Tudo é tristeza e silêncio nessa marcha pesarosa,
semelhando um cortejo fúnebre.
A vitória do rei e a
angústia dos vencidos
No dia 20 de maio de
1817, aquela mesma turba que foi às ruas espancar portugueses e festejar a
vitória dos revolucionários, há cerca de dois meses, agora esparge sua euforia
em face da vitória do partido do rei e da derrota dos insurretos. Da forma como
ocorreu no primeiro momento, grupos de desordeiros invadem e saqueiam as casas
dos chefes da rebelião. Há incêndios e muitos gritos de vivas ao rei. Os
portugueses, novamente senhores da cidade, invadem as prisões e libertam seus
patrícios presos pela revolução. À tardinha, o comandante Rodrigo Lobo
desembarca com seu estado-maior. Troam canhões no forte, repicam sinos nas
igrejas, a multidão patrocina o foguetório e grita vivas aos vitoriosos. Tão
logo põe os pés no solo pernambucano, Rodrigo Lobo assume o governo da
província.
A tropa rebelde
vencida está acantonada no Engenho Paulista, em Olinda. Dali ouve com angústia
o troar da artilharia, o repique dos sinos e o foguetório em louvor dos
vencedores. Era para mais de meia-noite quando os chefes revolucionários
reúnem-se em conselho e decidem que, a partir daquele momento, cada um deve
seguir o rumo que melhor lhe convier. Ao amanhecer, nada resta do que há poucas
horas ainda tinha uma feição de tropa regular e disciplinada. Cada
revolucionário tomou o caminho que lhe pareceu mais conveniente.
Castigos humilhantes
e execuções para punir os derrotados
Derrotada a
revolução, o castigo é implacável contra os que se sublevaram ao poder do rei.
Os fugitivos são caçados em todos os lugares. Domingos Teotônio e o padre
Miguelinho, mesmo disfarçados, são reconhecidos e postos a ferro. O
desembargador Antônio Carlos entrega-se sem resistência. O dr. Luís Mendonça
também apresenta-se espontaneamente ao governador militar. Domingos José
Martins é preso sem dificuldades. Muitos outros comprometidos com os ideais e
lutas da revolução são postos atrás das grades e, depois, os principais
enviados ao Rio de Janeiro.
No dia da partida
para a Corte, os prisioneiros são objeto de desrepeito e humilhação. Obrigados
a passear pelas principais ruas de Recife carregados de ferros, ao chegarem aos
navios têm de suportar os insultos dos portugueses, cara a cara. Nos porões dos
navios, são colocadas algemas nos braços e grilhões nos pés, além de uma argola
de ferro a apertar-lhes o pescoço, com a qual ficam presos a um torno fixado no
chão. Tal situação impede-lhes de ficar de pé. Para aumentar-lhes a tortura,
dava-se-lhes comida salgada e nenhuma gota d’água.
Chegados a Salvador,
foram entregues a um dos piores carcereiros da época, conhecido pela impiedade
com que tratava os presos. Antônio José Correia era partidário do rei até a
medula e esforçava-se em ser cruel. Tinha prazer em atormentar e enforcar os
condenados por rebeldia. No caso em tela, ele teve esse prazer pouco tempo
depois da chegada dos prisioneiros a Salvador. No Campo da Pólvora, diante de
uma multidão aterrada, Domingos José Martins, José Luís Mendonça e pe.
Miguelinho foram executados sem dó nem comiseração.
O mais terrível
matador de revolucionários
Nomeado governador e
capitão-general de Pernambuco, com poderes ilimitados, o brigadeiro Luís Rego
Barreto trata de dar celeridade aos processos contra os prisioneiros e,
concomitantemente, cria uma atmosfera de terror para dissuadir qualquer intento
rebelde. Segundo ele, “é preciso liquidar na forca a canalha liberal”. Com
efeito, a forca foi usada inúmeras vezes sob o governo desse tirano. O primeiro
a ser condenado sob seu comando foi o cadete Antônio Henriques, que desafiou os
juízes e bradou abraçado ao carrasco: “Viva a Pátria brasileira”. Luís Rego
mandou expor a cabeça dele na ponte de Recife. Também Domingos Teotônio, padre
Pedro de Sousa Tenório e José de Barros Lima, o Leão Coroado, perdem a vida no
laço da forca.
Luís Rego não se
satisfaz apenas em justiçar os revolucionários. Corta-lhes a cabeça, as mãos, e
manda expô-las em lugares públicos. A cabeça de Domingos Teotônio, por exemplo,
é exposta na Soledade e as mãos, no quartel. As mãos de Barros Lima ficam por
longo tempo expostas no quartel e a cabeça apodrece exibida numa praça de
Olinda. As mãos do padre Tenório são levadas para Goiana e a cabeça para
Itamaracá. O resto do cadáver fica em Recife e ainda assim o delirante
governador manda que se amarre o que sobrou do corpo à cauda de um cavalo e o
faça perambular pelas ruas da capital pernambucana para que sirva de exemplo a
quem porventura pense em rebeldia contra a Coroa.
Por ter sido a
Paraíba a primeira província a aderir à revolução, claro que os patriotas
praibanos devem ser os primeiros a serem submetidos a severa punição, segundo a
tétrica filosofia de Luís Rego. Cinco mártires da Paraíba perdem a vida por
enforcamento: José Peregrino Xavier de Carvalho, Amaro Gomes da Silva Coitinho,
Francisco José da Silveira, Inácio Leopoldo de Albuquerque Maranhão e padre
Antônio Pereira de Albuquerque. O jovem José Peregrino, de apenas 19 anos, não
tem melhor destino. E ainda salgam-lhe a cabeça e as mãos, expondo-as em locais
públicos. O resto do corpo tem o mesmo destino do padre Tenório. Assim terminam
quase todos os inconfidentes de 1817, revolução que abriu caminho para
despertar a inquebrantável vontade de libertar o Brasil do domínio português. O
que, efetivamente, veio a ser realizado apenas cinco anos depois, por ironia do
destino, em ato protagonizado por português de nascimento, o príncipe dom
Pedro. Todavia, a chama republicana reacendeu-se em 1824, com a deflagração da
chamada Revolução do Equador. Esta, embora igualmente não tenha logrado êxito,
configura mais uma semente plantada no imenso canteiro de luta pela liberdade
em que se tranformou a história do Brasil.
A invejável
integridade de um chefe liberal
Nos dias que correm,
são poucos os homens que agem igualmente ao capitão Manuel de Azevedo, um dos
chefes revolucionários de 1817. Depois que o exército rebelde convenceu-se da
inutilidade de continuar lutando e retirou-se para Olinda, Domingos Teotônio,
por precaução, levou os cofres que guardavam os valores da província. Esses
cofres foram confiados ao capitão Manuel de Azevedo, que poderia ter se
apoderado dos recursos ali contidos ou usado da forma que bem lhe aprouvesse.
Nada fez Azevedo que não o que a sua consciência de homem probo e honrado lhe
ditou. Enviou os cofres ao governador da província, Rodrigo Lobo, seu inimigo.
O símbolo da nova
pátria republicana
Vencedora a
revolução e deportado para o Rio de Janeiro o governador deposto, os
revolucionários cuidaram de criar um estandarte da Pátria que a revolução fez
nascer. Composta de duas cores, azul e branco, a bandeira apresenta na parte
azul um sol nascente e um arco-íris encimado de uma estrela. Na parte branca,
uma cruz vermelha.
Os cabeças que deram
início à insurreição
Militares e civis
formaram o grupo inicial que liderou a Revolução de 1817. Entre os civis,
contam-se Antônio Gonçalves da Cruz, o Cabungá; José de Bourbon, Vicente
Ribeiro dos Guimarães Peixoto; os padres João Ribeiro Pessoa Montenegro,
professor de Desenho, e José Inácio Ribeiro de Abreu e Lima, cognominado padre
Roma; padre Miguel Joaquim de Almeida Castro, conhecido como padre Miguelinho,
e Frei Joaquim do Amor Divino Rabelo, mais conhecido popularmente como frei
Caneca.
Ao exército regular
pertenciam, entre outros, os capitães Domingos Totônio Jorge, José de Barros
Lima, o Leão Coroado; e Pedro da Silva. Em outros postos estavam José Mariano
de Albuquerque, Antônio Henrique Rabelo e Manuel de Sousa Teixeira.
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