Aos 200 anos do
levante que durou pouco mais de dois meses, estudiosos apontam a relevância do
curto episódio, abafado pela historiografia oficial, mas fundamental para se
entender o impulso democrático que mobilizava as gentes que viviam na província
de Pernambuco.
Pernambucanos,
estais tranquilos, apareceis na capital, o povo está contente, já não há
distinção entre brasileiros e europeus, todos se conhecem irmãos, descendentes
da mesma origem, habitantes do mesmo país, professores da mesma religião. Um
Governo Provisório iluminado, escolhido entre todas as ordens do estado,
preside a vossa felicidade; confiai no seu zelo e no seu patriotismo. A
providência que dirigiu a obra, a levará ao termo. Vós vereis consolidar-se a
vossa fortuna, vós sereis livres do peso de enormes tributos que gravam sobre
vós; o vosso e nosso país, subirá ao ponto de grandeza que há muito o espera e
vós colhereis o fruto dos trabalhos e do zelo dos vossos cidadãos. Ajudai-os
com os vossos conselhos, eles serão ouvidos; com os vossos braços, a pátria
espera por eles; a vossa aplicação à agricultura, uma nação rica e uma nação
poderosa. A pátria é a nossa mãe comum, vós sois seus olhos, sois descendentes
dos valorosos lusos, sois portugueses, sois americanos, sois brasileiros, sois
pernambucanos.
Ufanistas e
acolhedoras, as palavras transcritas ao lado foram escritas há dois séculos,
impressas e divulgadas à população de Pernambuco como parte de uma carta de
proclamação, a estabelecer os preceitos pelos quais se estruturava um governo
inédito nos tempos de um Brasil colônia. Lidas em voz alta pelas ruas do
Recife, ratificavam a insurgência de uma província que se revelava imersa no
espírito do tempo, atravessada pelos ideais de independência e liberdade,
igualdade e fraternidade que emanavam tanto dos Estados Unidos como da França. O
movimento conhecido como Revolução de 1817 deflagrou novo rumo para a história
do país “descoberto” por Portugal desde 1500. À luz do bicentenário, o episódio
histórico de extrema importância para a nação ganha outros contornos.
“A revolução de
Pernambuco em 1817, se bem que muito pouco durasse, fará sempre época nos anais
do Brasil; tempo virá, talvez, em que o dia 6 de março será para todos os
brasileiros um dia de festa nacional”, escreve Francisco Muniz Tavares
(1793–1875), no prefácio do seu História da Revolução em Pernambuco de 1817,
publicado pela primeira vez em 1840 graças aos esforços intelectual e
financeiro do próprio autor – que havia sido preso por participar do movimento.
O livro é uma imprescindível fonte de informações para o estudo dos fatos que
desembocaram na formação do Governo Provisório e ressurge, no bojo das
celebrações dos 200 anos, em oportuna nova edição, idealizada e impressa pela
Companhia Editora de Pernambuco – Cepe.
Este volume traz o
texto original de Muniz Tavares e as notas do historiador e diplomata Manuel de
Oliveira Lima (1867–1928) acopladas à terceira edição, lançada em 1917 como
esforço do então Instituto Arqueológico e Geográfico Pernambucano (hoje
Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano) para marcar o
centenário da Revolução de 1817 e, de certa forma, demarcar uma contraposição
ao que a historiografia do século XIX havia determinado. Na narrativa “oficial”
do Brasil, tudo que se relacionava a 1817 era minimizado. Autor de História
geral do Brasil antes da sua separação e independência de Portugal, Francisco
Adolfo Varnhagen, Visconde de Porto Seguro (1816–1878) e historiador oficial do
Império, recebera de Pedro II a missão de narrar a trajetória brasileira para o
Instituto Histórico e Geográfico do Brasil; ao fazê-lo, nos volumes publicados
entre 1854 e 1857, não incluiu o movimento nordestino entre os predecessores da
Independência de 1822.
É compreensível,
portanto, que até hoje se ensine e se difunda mais sobre Joaquim José da Silva
Xavier, o Tiradentes, e a Inconfidência Mineira de 1789 do que sobre Domingos
José Martins, padre João Ribeiro, Antônio Gonçalves da Cruz, o Cabugá, ou
Domingos Teotônio Jorge – todos esses componentes do Governo Provisório
instaurado em março de 1817. E é justamente por causa disso que se torna mais
necessário revisitá-los. “Duzentos anos depois, a grande lição é tomar
consciência da contribuição que Pernambuco deu ao Brasil. O que era o Brasil
naquela época? Uma simples colônia, sofrendo o peso e a extorsão de uma Coroa
que havia aqui se instalado, após a pior das humilhações – a fuga de Dom João
VI. 1817 foi fundamental para o conceito de pátria, nação e liberdade. A
semente do Brasil nasceu duas vezes em Pernambuco – uma no século XVI, com a
expulsão dos invasores holandeses e a restauração, e outra no século XIX.
Devemos aproveitar o ensejo do bicentenário para voltar a ler, a ouvir, a
contar, a cantar e a nos encantar com a história de 1817, contra aquele
silêncio que uma história nacional impingiu sobre os fatos relacionados à
revolução”, sustenta o professor Antônio Jorge Siqueira, do departamento de
Sociologia e da pós-graduação em História da UFPE.
Ao lado dos
professores Antônio Paulo Rezende e Flávio Weinstein Teixeira, ele é um dos
organizadores de1817 e outros ensaios, compilação de 10 textos a ser lançada
ainda neste semestre pela Cepe. O interessante do livro é a oferta de análises
sobre diversos aspectos do movimento, como a participação de negros e índios
nas hostes revolucionárias e do papel crucial desempenhado por padres
católicos.
Não é megalomania
pernambucana afirmar, como o faz o embaixador cearense Gonçalo de Barros
Carvalho Mello Mourão, no ensaio Seis de março, data nacional, que “a Revolução
de 1817 suscitou entre nós o poder do apelo à liberdade como despertar da
consciência nacional. Representou, em suma, o surgimento da ideia de um Brasil
brasileiro, através daquilo que o sublimado padre Dias Martins chamou de busca
do ideal de ‘Pátria e o amor da Liberdade’. A Revolução durou parcos 76 dias,
11 semanas, dois meses e meio. Foi pouco, mas foi o suficiente para fazer
nascer o Brasil”.
Direitos Civis e
Liberdade
Corriam os primeiros
dias de março de 1817 e o capitão-geral da província de Pernambuco (cargo
equivalente ao de governador) era Caetano Pinto. O Recife só se tornaria cidade
em 1823, porém, já era uma babel. Antônio Jorge Siqueira utiliza os dados
levantados pelo professor pernambucano Luiz Geraldo Silva, da UFPR, em um dos
ensaios da coletânea1817 e outros ensaios, para contextualizar o panorama da
época. “Em 1762, no século XVIII, o Recife tinha uma população de 90 mil
habitantes, dos quais 25% eram escravos. Dada a importância do cultivo da
cana-de-açúcar, percebem-se os escravos como segmento importante para alimentar
a indústria canavieira. Em 1810, dois anos após a chegada da família real ao
Rio de Janeiro, e sete anos antes da revolução, a população de Pernambuco era
de 392 mil habitantes, dos quais 28% eram brancos, 26,2% eram escravos, 3,2%
índios e 42% eram afrodescendentes, livres ou libertos. Ou seja, o panorama era
favorável à busca pelos direitos civis e pela liberdade”, indica Siqueira.
Autor de Os padres e
a teologia da ilustração – Pernambuco 1817 (Editora Universitária UFPE, 2009),
em que investiga a atuação dos religiosos no levante, o professor recorda que a
abertura dos portos, um dos primeiros atos de Dom João ao chegar ao Brasil, não
só acarretou uma nova dinâmica comercial, como também desaguou em uma maior
circulação de ideias. “Produtos, comércio e ideias formam a tríade que se
complementa nesse momento de desarrumação”, aponta Antônio Jorge Siqueira.
No ensaio Entre
banquetes e batuques: a visão dos viajantes sobre o Recife em tempos de
revolução, a historiadora Sylvia Costa Couceiro trabalha com os relatos de quatro
forasteiros – o francês Louis de Tollenare e os ingleses Henry Koster, James
Henderson e Maria Graham – para compor o quadro de uma vila em ebulição. “Como
funcionava o Recife? Lanço uma série de perguntas a partir das reflexões que
esses viajantes faziam. Além do que aconteceu durante a revolução, eles falam,
com ênfase, da ideia de mestiçagem. O Recife de 1817 era, como o Recife de 2017
ainda é, uma cidade híbrida, mestiça e de profundas diferenças. A vila do
Recife compreendia o Bairro do Recife, Santo Antônio, São José e algumas casas
na Boa Vista. Locais como Apipucos, Monteiro, Várzea e Poço da Panela eram os
destinos para onde as elites iam em momentos de lazer, tomar banhos de rio.
Quando a revolução eclodiu, parte da população fugiu para essas casas de
veraneio, deixando a área central deserta”, situa à Continente a pesquisadora
titular da Fundação Joaquim Nabuco.
Os gatilhos da
Revolução de 1817 não podem ser percebidos como isolados. Havia o fluxo de
produtos e ideias, decorrente da abertura dos portos, havia a herança da
França, dos Estados Unidos e das lutas pela independência da América espanhola
e havia as noções libertárias discutidas nas casas de maçonaria. Domingos José
Martins, capixaba que chegara ao Recife em 1815, vindo de Londres, era adepto e
entusiasta de tais ideais disseminados entre os maçons. “Entre os amantes de
República, figuravam alguns maçons ou pedreiros livres. Esta sociedade secreta,
respeitada por ser misteriosa, e condenada cegamente como tal, diz-se que em
tempo assaz remoto fora instituída com o louvável fim de confraternizar os
homens, e incitá-los à prática das virtudes morais, concedendo aos seus membros
plena garantia de pensar, oferecendo mútua comunicação de ideias e socorros”,
aponta Muniz Tavares, em História da Revolução em Pernambuco de 1817.“Os maçons
– como se a lei de sangue que os prescrevia tivesse sido ab-rogada –
congregavam-se quase em público, banqueteavam-se frequentemente de fé. Em seus
banquetes ouviam-se brindes acompanhados de expressões que revelavam generosos
desígnios.”
“Viva e Pátria”
Consta que, ao ser
alertado sobre possíveis conspirações, o capitão-geral Caetano Pinto dissera:
“Os maçons divertem-se: nada farão”. Contudo, resolve agir ao receber uma
denúncia do “negociante abastado Manoel de Carvalho Medeiros”. EmO Recife da
revolução republicana de 1817: cenários, cenas e atores, concebido
especialmente para1817 e outros ensaios, o arquiteto José Luiz da Mota Menezes
esmiúça o desenrolar dos acontecimentos. No dia 5 de março, Pinto “manda
prender 70 implicados”. “No dia 6 de março, às 11 horas, o governador iniciou
as prisões. Foram denunciados os seguintes militares: três capitães de
artilharia Domingos Teotônio Jorge Martins Pessoa, José de Barros Lima e Pedro
da Silva Pedroso, tenente, secretário do mesmo Corpo, José Mariano de
Albuquerque e o ajudante de infantaria Manoel de Sousa Teixeira. Preso o
negociante Domingos José Martins e recolhido, por ser civil, à cadeia
(provavelmente a da atual Rua do Imperador, antes da Rua da Cadeia Nova)”,
relata Mota Menezes.
Quando o general de
brigada Manoel Joaquim Barbosa de Castro se dirigiu ao quartel da artilharia
(localizado no Bairro de Santo Antônio, entre o que hoje são as avenidas
Guararapes e Dantas Barreto) para efetuar as prisões dos militares, deu-se o
estopim. Domingos Teotônio foi preso, mas José de Barros Lima, o Leão Coroado,
desembainhou a espada e matou o oficial português. Ninguém protestou, como
descreveu Muniz Tavares: “Entre tantos oficiais presentes, não houve um só que
se opusesse à perpetração do delito; os que eram brasileiros, maquinalmente
desembainharam as espadas, e como se fossem feridos por um golpe apoplético,
permaneceram inertes espectadores. Dois portugueses, um que era sobrinho do
morto, o capitão José Luiz, temendo igual sorte, saltou pela janela e
escondeu-se; outro por nome Luiz Deodato, fugiu deixando a barretina e a
espada”.
Os gritos de “Viva a
Pátria” e “Mata marinheiro”, como os portugueses eram chamados, ecoaram nas
ruas. Houve conflitos, mortes, “arruaça” e “confusão”, como transparece nos
relatos do francês Tollenare (suas Notas dominicais foram publicadas pela
Secretaria de Educação e Cultura do governo de Pernambuco em 1978) e nas
memórias de Muniz Tavares, que serviram de base para inúmeras revisões. Uma
delas, 1817, foi escrita pelo professor Denis Antônio Bernardes para o livro Revolta,
motins, revoluções. Homens livres pobres e libertos no Brasil do século XIX,
lançado em 2011 pela Alamada, e incluída em1817 e outros ensaios, como uma
homenagem ao historiador, falecido em 2013.
Sua recapitulação
dos fatos: “A resistência da tropa portuguesa e de alguns marinheiros de nada
adiantou. No dia 7 de março, o governador Caetano Pinto de Miranda Montenegro
aceitou assinar sua capitulação e deixar a capitania acompanhado da família e
dos oficiais e familiares que o quisessem seguir rumo ao Rio de Janeiro. No
mesmo dia foi eleito um governo provisório, com representantes dos diversos
corpos sociais, refletindo a divisão testamental da sociedade: pelo clero, o padre
João Ribeiro Pessoa de Mello Montenegro, pelos militares, o capitão Domingos
Teotônio Jorge Martins Pessoa, pela magistratura, o advogado José Luís de
Mendonça, pelo comércio, Domingos José Martins e, pela agricultura, o senhor de
engenho e coronel de milícias Manoel Correia de Araújo. Cessava, com este ato
de eleição de um governo provisório saído de uma rebelião militar, a soberania
do príncipe regente D. João sobre Pernambuco. Não tardou que, inclusive pelo
envio de emissários, a notícia da instalação de um governo republicano e
patriótico em Pernambuco logo se espalhasse pelas províncias da Paraíba, Rio
Grande do Norte, Ceará e pela comarca das Alagoas, ainda território pertencente
à província de Pernambuco”.
Ecos para o Futuro
O “tempo da Pátria”
foi breve, porém intenso. Incluiu a viagem de um emissário até os Estados
Unidos e a conexão com levantes bonapartistas, como detalha a pesquisadora da
Fundação Rui Barbosa, Isabel Lustosa, em artigo publicado adiante, na página
26. Deixou, no cotidiano da capital pernambucana, nomes de ruas, como Padre
Roma e Gervásio Pires. Foi, para centenas de escravos, o primeiro vislumbre de
liberdade – os negros foram alforriados pelos senhores para lutar pela
revolução. Com a debelação da insurgência, voltaram à senzala, mas o ideal de
liberdade se consolidava no horizonte. “A abolição da escravatura só se deu em
1889, mas um negro que ficou livre para lutar, ao voltar a ser escravo, não era
o mesmo. Apesar da repressão violenta ao movimento e das punições exemplares aos
envolvidos, o término da Revolução de 1817 não fez com que a sociedade voltasse
a ser o que era antes. As experiências deixaram marcas para novas atuações
libertárias”, pontua a pesquisadora Sylvia Costa Couceiro, da Fundação Joaquim
Nabuco.
O próprio Joaquim do
Amor Divino Rabelo, o frei Caneca, foi um dos grandes envolvidos em 1817. Preso
ao lado de Muniz Tavares na Bahia, virou líder da Confederação do Equador em
1824. “Na prática e na História, com a restauração brasileira dos Guararapes,
no século XVII, com a Guerra dos Mascates, a Revolução de 1817 e o movimento de
1824, Pernambuco tem um papel deveras importante para contribuir com a semente
de pátria, nação, liberdade, direitos e constituição. Esses ideais não
morreriam com o sacrifício dos cabeças revolucionários. Aqueles que foram para
as masmorras na Bahia voltaram e continuaram com um ideal de luta. Tudo isso
foi corroborado nas revoltas subsequentes, como a Praieira”, reforça o
professor e historiador Antônio Jorge Siqueira, da UFPE.
"Viva a Pátria,
vivam os patriotas e acabe para sempre a tirania real”, bradavam os
revolucionários, nas ruas e nos documentos que servem de esteio para reviver e
repensar a Revolução de 1817. Dois séculos depois, a tirania ainda persiste e
há de se olhar para o passado para reposicionar, na história da nação, o
pioneiro movimento que uniu brancos, negros, pardos, índios, militares,
comerciantes, padres e maçons e seu incontornável legado de luta.
Além da história, a
arte possui também o seu poder de revisão em relação ao passado. Duzentos anos
depois, 12 artistas de Pernambuco cumprem agora a tarefa de recontar os fatos
da Revolução de 1817, um dos marcos do espírito insurgente do estado e do país
à época do Brasil Colônia. Seja a pincel, a lápis, a carimbo, pintura, desenho,
gravura, diferentes técnicas traduzem cada uma dessas perspectivas dos
episódios históricos na exposição que entra em cartaz a partir do dia 11 deste
mês na Arte Plural Galeria, no Bairro do Recife.
Na mostra, há
artistas como Jeims Duarte, cujo trabalho costuma ser animado por um espírito
crítico em relação ao espaço urbano; instigado, sobretudo, por estabelecer um
diálogo contemporâneo entre a cidade e a sua história. Um dos seus desenhos
marcantes nesse sentido aborda a polêmica construção das torres gêmeas da Moura
Dubeux, em área antiga do Recife, a partir de uma paródia – as torres são
reprojetadas em formato de glande no topo. Agora, nesta exposição, ele faz
referência ao local de reunião dos maçons, responsáveis por planejar o levante
emancipacionista de 1817.
“Na prática,
reproduzi o prédio da antiga maçonaria que se encontra atualmente atrás da
Habbib’s da Avenida Conde da Boa Vista, com uma indicação de reunião interna
através de uma única janela iluminada. O edifício simboliza, assim, a
Organização”, explica Jeims, sabendo que a Loja Maçônica Conciliação, à qual se
refere, não foi o “real” lugar onde tudo se passou, mas o Areópago de Itambé,
no interior pernambucano. “Desejei justamente ‘linkar’ com uma referência mais
próxima das pessoas hoje. O processo se deu justamente nesta tensão entre um
propósito didático e um propósito crítico”, justifica. “A ‘liberdade poética’
se mostra na forma ‘expressionista’ do retrato das esfinges, a indicar,
basicamente, dúvidas em relação ao futuro, que são instadas a prever, e no
cenário ao redor, indicativo de nossa época; ou seja, ligando as preocupações
libertárias de 1817 às atuais. Há uma placa com a inscrição (cortada) onde se
lê ‘PHORA’ (grafia antiga para“FORA” ). Sabemos bem qual o personagem que tem
sido convidado ultimamente a ‘dar o fora’.
Calendário
As obras da coletiva
foram feitas a partir de uma encomenda da Companhia Editora de Pernambuco
(Cepe) para o seu calendário de 2017, comemorativo dos 200 anos da Revolução
Pernambucana. Os originais desses trabalhos são justamente aqueles com os quais
o público irá se deparar na galeria. Além de Jeims Duarte, estão na lista os
artistas Helder Santos, Daaniel Araújo, Bruno Vilela, Beto Viana, Plínio
Palhano, Jessica Martins, Roberto Ploeg, George Barbosa, Renato Valle, Gio
Simões e Rinaldo Silva. Pernambucanos ou de outras origens, mas tendo carreira
artística consolidada no Estado, eles foram convidados para fazer um “registro
objetivo” dos episódios mais marcantes da Revolução de 1817. Cada um imprimiu a
sua leitura sobre os acontecimentos de um povo com ideais libertários
republicanos que não queria mais se submeter aos abusos da coroa portuguesa.
Nesse arsenal de
obras, há desde interpretações para a bênção da bandeira de Pernambuco,
idealizada justamente em 1817 (mas oficializada quase 100 anos depois), a
representações dos maracatus, que puderam desfilar livremente nas ruas, à
época, pela primeira vez. Há ainda registros de episódios trágicos, como o
suicídio do padre João Ribeiro, pelas mãos do exímio desenhista Renato Valle, e
o fuzilamento do padre Roma, no início da revolução, por Gio Simões, artista
conhecida por desenhar mulheres, às vezes com uma pegada mais pop. Como se
sabe, os padres tiveram protagonismo nesta e em outras revoluções.
Ao reunir em sua
pintura elementos-chave de 1817, é Rinaldo Silva quem resume o espírito que
animou não apenas aquele momento, mas permaneceu entre os pernambucanos, mesmo
com o massacre dos líderes da revolução em praça pública.
Em quantos dias se
faz uma revolução? Como nos mostra a História, revoluções nunca começam e
terminam como registra o calendário oficial, mas são gestadas em vários
acontecimentos que a antecedem e repercutem por muito tempo, em várias camadas,
numa imagem um tanto gasta, mas eficaz: como uma pedra atirada na água. Assim
se deu, também, com a Revolução Pernambucana de 1817, quando muitos defendem
que o nacionalismo, a ideia de Brasil, nasceu, porque esse motim emancipatório
queria ver esta terra livre dos colonizadores. Foram somente dois meses, mas
aquele episódio – também conhecido como Revolução dos Padres – lançou uma
importante semente libertária.
São 200 anos desde
aquele 6 de março, quando os revoltosos proclamaram o Governo Provisório da
então província de Pernambuco. Nesta edição, rememoramos o assunto,
direcionados principalmente pelos lançamentos sobre o tema que a Companhia
Editora de Pernambuco – Cepe fará ao longo deste ano. Entre as obras em edição,
selecionamos os primeiros episódios da HQ 1817 – Amor e revolução, e a
trouxemos em primeira mão para você, leitor. O trabalho foi realizado em
parceria pelo escritor Paulo Santos de Oliveira, o quadrinista e ilustrador
Pedro Zenival e o designer Alex Dantas.
Em outro momento da
revista, Pernambuco também encontra protagonismo, dessa vez, por um movimento
de fé, que mobiliza cristãos. Em dezembro, acompanhamos a procissão de Nossa
Senhora da Conceição, do centro do Recife ao Morro que ganha o nome da santa,
no Bairro de Casa Amarela, e contamos um pouco do que vimos e ouvimos pelo
caminho.
E a fé que move os
devotos pernambucanos da Mãe vestida de azul move também a população indígena
andina do Noroeste da Argentina, em torno da Mãe-Terra, a Pachamama, que, sob
os preceitos dessa religiosidade, é responsável por nutrir e trazer abundância
para esse povo. Num gesto que se repete todo ano (assim como a Festa do Morro
aqui mencionada), os pachamamistas reúnem-se em torno da apacheta para
depositar suas oferendas, cantar, dançar, pedir e agradecer. Rituais tão
remotos como a própria existência do homem sobre a Terra.
Depois da sensacional
volta de Napoleão Bonaparte da Ilha de Elba e de seu reinado de 100 dias e com
a certeza de que havia ainda um contingente respeitável de admiradores seus que
se mobilizaria ao primeiro chamado do imperador deposto, as monarquias
europeias mais do que escaldadas, resolveram tomar providências drásticas.
Napoleão esperava ou fingiu que esperava ficar na Inglaterra como hóspede da
Coroa inglesa. Sua decepção foi grande, quando lhe informaram que ele ficaria
prisioneiro para sempre em uma pequena ilha, quase inexpugnável, no meio do
Atlântico.
E, de fato, viveria
na Ilha de Santa Helena até morrer em 1821, doente e deprimido, desejando antes
ter sido executado do que definhar naquele lugar nenhum. No entanto, durante os
seis anos em que viveu ali, mesmo sob a maior vigilância, Napoleão e seus
admiradores encontraram meios de se corresponder e até mesmo de tramar um
possível resgate. Um desses projetos envolveu brasileiros e um momento
importante da História do Brasil: a Revolução Pernambucana de 1817.
A Conspiração
Os Estados Unidos da
América, única democracia de fato que então havia no mundo, era um grande
atrativo para os antigos oficiais do império francês. Humilhados com a exclusão
do exército e com a perspectiva de viver a meio-soldo, poucos meses depois de
Waterloo, cerca de mil oficiais franceses de várias patentes tinham partido
para os EUA. Além de buscar novas oportunidades, boa parte dessa gente
continuava a sonhar com a volta do imperador, nem que fosse para reinar em
algum pedaço das Américas. O malogrado rei de Espanha, José Bonaparte, irmão
mais velho de Napoleão, também se estabelecera nos Estados Unidos e era um
verdadeiro ímã a atrair toda a sorte de conspiradores com planos para o resgate
do ex-imperador.
Assim, quando
tiveram notícia de que uma revolução republicana estourara em Pernambuco, o
ponto da costa americana mais próximo de Santa Helena, as esperanças dos
bonapartistas foram renovadas. A notícia dessa revolução que pretendia instalar
no nordeste brasileiro uma república chegou aos jornais americanos por
intermédio de um de seus líderes, Antônio Gonçalves da Cruz, mais conhecido
como Cabugá. Ele promovera em sua casa muitas das reuniões que impulsionaram a
rebelião que eclodiria em 6 de março de 1817. Poucos dias depois, em 25 de
março, ele embarcava para os EUA como embaixador do governo revolucionário
junto às autoridades daquele país. Tal como para os mineiros de 1789, para os
revolucionários de Pernambuco, os EUA representavam o modelo ideal de nação.
Ainda mais naquele momento em que as monarquias da Europa tentavam destruir a
herança da Revolução Francesa e voltar às práticas do Antigo Regime.
Se o ministro dos
Negócios Estrangeiros, Richard Rush, que recebeu Cabugá em caráter informal,
não prometeu que seu governo daria suporte aos revolucionários, também não
impediu suas idas e vindas. Sob o pretexto das leis liberais e democráticas que
regiam a vida no país, o governo norte-americano fez ouvidos moucos aos rogos
do embaixador de Portugal, o padre José Correia da Serra, para que Cabugá
fosse impedido de comprar armas, fretar navios e contratar homens para levar ao
Recife.
Na edição de março
da revista impressa, disponibilizamos, em primeira mão, as páginas iniciais do
álbum de quadrinhos1817 - Amor e revolução, ilustrado por Pedro Zenival, que
levou um ano para ser concluído, sendo o primeiro do gênero a ser lançado pela
Cepe Editora
Por trás da
Revolução de 1817, dos arroubos libertários e da luta pela democracia que
Pernambuco capitaneou, paira um romance que, como muitos detalhes desse
singular episódio republicano, permanece à margem da história oficial. “É o
nosso Romeu e Julieta. Domingos José Martins passou quatro anos namorando
escondido com Maria Teodora da Costa e decidiu fazer uma revolução para casar
com ela”, explica o jornalista e escritor pernambucano Paulo Santos de
Oliveira, autor do roteiro da história em quadrinhos1817 – Amor e revolução, um
dos lançamentos da Companhia Editora de Pernambuco – Cepe para celebrar o
bicentenário do movimento.
A novela gráfica é
uma adaptação de A noiva da revolução, escrito por Paulo e publicado em 2007.
Com ilustrações de Pedro Zenival Ramos Ferraz, traz uma síntese dos
acontecimentos que, a partir de 6 de março de 1817, provocam a erupção da
insurgência. Porém, o foco reside na história de amor entre Domingos, 36 anos,
um dos líderes da rebelião contra a Coroa Portuguesa, e Teodora, 17, filha de
Bento da Costa, um abastado português. Depois de negar a mão da filha por
diversas vezes, Bento resolve aceitar o pedido de casamento no dia 8 de março,
quando Domingos já era um dos integrantes do governo provisório de Pernambuco.
“Foi o casamento
politicamente mais importante da história do Brasil”, observa Paulo Santos de
Oliveira. “Apesar de ele ser galã e rico, o pai da moça não permitia antes
porque ele era brasileiro. Essa derrubada de preconceito foi importante.
Diferente de outros estados, como Bahia e Rio de Janeiro, em Pernambuco, os
brasileiros e os portugueses viviam brigando. A união de um pernambucano com a
filha de um português rico ajudou a promover uma pacificação. Quando o
casamento ocorreu, o povo foi às ruas para comemorar”, completa o escritor.
Para Pedro Zenival,
o trabalho de um ano na transposição da linguagem literária foi meticuloso e de
extrema dedicação. “Fiz uma pesquisa visual nos livros ilustrados relacionados
à época, em especial nos registros da era napoleônica, que condizia com a moda
e as vestimentas do Recife daquele momento”, comenta o ilustrador, um dos mais
prolíficos colaboradores da Cepe, onde trabalha desde 1987. O resultado é de um
apuro imenso e faz de1817 - Amor e revolução uma leitura obrigatória nesse
contexto de resgate de um acontecimento sem comparação na história do Brasil.
Nenhum comentário:
Postar um comentário