Apelativo cunhado
por Manuel de Oliveira Lima para qualificar a revolta que teve como centro o
Pernambuco em 1817, foi adotado por outros estudiosos do assunto. Alguns deles,
tendo presente o papel de liderança e incitamento levado a cabo por certos
sacerdotes, peferem dizer “Revolução maçônica dos padres”. Essa última
terminologia foi inclusive assumida pelo historiador maçom Arci Tenório
d’Albuquerque.
Faz sentido: o
regalismo “institucional” favorecia a quebra da disciplina e a perda das
referências doutrinárias, e isso explica a facilidade com que tantos padres
ingressavam nas “grandes lojas” e aderiam ao liberalismo exaltado da época. Em
se tratando da diocese de Olinda, a própria formação ministrada no “Seminảrio
Nossa Senhora da Graça”, fundado por Dom José Joaquim da Cunha d’Azeredo
Coutinho (1742 – 1821), estimulava tal comportamento. Recorda-se que o corpo
docente da instituição, cujas atividades se iniciaram aos 16 de fevereiro de
1800, era constituído por padres-professores alinhados com o regalismo de corte
liberal da universidade de Coimbra.
A influência do
seminário de Olinda foi enorme, pois, além de ser a única instituição de ensino
superior local, era aberto aos leigos, tornando-se, portanto, o maior centro
difusor do liberalismo radical do nordeste brasileiro. Um dos seus ex-alunos, o
padre maçom Francisco Muniz Tavares (1793-1875), descreveria o fato com
louvores: “A mocidade pernambucana não podia deixar de ilustrar-se dirigida por
tão zeloso reitor. Saiam daquele seminário não só instruídos e exemplares
pastores que formavam as delícias das ovelhas, das quais se encarregavam, como
também jovens hábeis a empregos”.
Nesse clima de
efervescência ideológica, dois fatores acirraram ainda mais os ânimosː a seca
que se abateu sobre o Pernambuco em 1816 e a alta carga de impostos instituídos
para manter a corte portuguesa estabelecida no Rio de Janeiro. Contudo, como
salienta Jônatas Serrano e Marcílio Lacerda, há muito tempo já se conspirava,
pois “os pedreiros livres sonhavam a demolição da monarquia e a construção de
novo edifício social”.
A querela se tornou
pública quando o governador português, Caetano Pinto de Miranda Montenegro
(1748-1827), graças à delação do ouvidor José da Cruz Ferreira, recebeu no dia
1º de março de 1817 denúncia do complô em ato, e ordenou a prisão de onze
conspiradores. Um deles, o Capitão maçom José de Barros Lima, vulgo “Leão
Coroado”, resistiu à tentativa de captura e matou a golpes de espada o
Brigadeiro português Manuel Barbosa de Castro. A partir daí, no dia 6 de março
seguinte, domingo de Páscoa, partindo da fortaleza das Cinco Pontas, a rebelião
ganhou as ruas e logo criou um conselho de guerra. O governador Caetano Pinto,
junto de sua família, se refugiou no forte do Brum, mas teve que capitular
pouco depois, pela impossibilidade de oferecer resistência. Os revoltosos o
pouparam e ele embarcou para o Rio de Janeiro.
Cinquenta e sete
eclesiásticos engrossaram as fileiras dos revoltosos, número este deveras
expressivo, considerando que a diocese de Olinda contava com pouco mais de 120
presbíteros. E não só: alguns dos envolvidos tiveram até mesmo ação militar.
Foi o que fez Pe. Antônio de Souto Maior Bezerra de Meneses, vigário de Goiana,
morto depois nas prisões da Bahia, bem como frei João da Conceição Loureiro,
guardião do convento franciscano de Santo Antônio de Recife, mais os padres
João Gomes de Lima e Francisco de São Pedro, o “Cachico”.
Os 17 cabeças do
movimento revolucionário, ainda no dia 7 de março se reuniram na Casa do Erário
de Recife e elegeram um governo provisório composto por cinco membros, a saber:
Padre João Ribeiro Pessoa de Melo Montenegro, representante do mundo
eclesiástico e ao mesmo tempo governador provisório;[9] Capitão Domingos
Teotônio Jorge Martins Pessoa, da parte dos militares; José Luís de Mendonça, a
nome da magistratura; enquanto que, da parte da agricultura foi escolhido o
Coronel Manoel de Araújo, e pelo comércio, a preferência recaiu sobre Domingos
José Martins.[10] Três dias mais tarde, Pe. Luiz José de Albuquerque, vigário
da freguesia de Santo Antônio do Recife celebrou um solene Te Deum em ação de
graças, convidando para o evento os cinco membros do governo provisório, que de
boa vontade participaram.
Os novos donos do
poder em Pernambuco também proclamaram a república, que adotou uma bandeira
própria, e aboliram os impostos pagos ao Rio de Janeiro. Foi igualmente
aprovada uma lei orgânica que introduziu medidas liberais como as liberdades de
opinião e de imprensa e os direitos individuais, malgrado proibisse ataques ao
Catolicismo. O deão de Olinda, Manuel Vieira de Lemos Sampaio, que era também
governador da diocese, inspirando-se em Rousseau, fez publicar uma pastoral,
subscrita por todo o cabido, sustentando não ser a revolução em curso contrária
ao Evangelho. O motivo, segundo ele, era que a posse e o direito da Casa de
Bragança se fundavam em um contrato bilateral, de que estavam desobrigados os
povos da lealdade jurada, por ter tal dinastia faltada por primeiro às suas
obrigações.
Como se viu, muitos
desses padres e líderes rebeldes eram maçons e, o inusitado conúbio entre
catolicismo e “grandes lojas”, produzia comportamentos insólitos. Domingos
Teotônio Jorge, por exemplo, numa circular expedida aos capitães-mores no dia
27 de março de 1817, eliminou as referências cristãs das invocações, dando,
porém, ao seu Deus impassível, um comportamento providente que, como se sabe, era
negado pelas organizações maçônicas: “O Supremo Arquiteto do Universo vos
ilumine e ajude e vos fortifique para o bem e glória de nossa cara pátria...”.
Paralelamente, a
revolução ganhou a adesão da Paraíba no dia 15 de março de 1817 e do Rio Grande
do Norte no dia 25 de abril sucessivo. Os sublevados, no intento de conseguir a
agregação de mais capitanias e, por extensão, mais recursos para a sua luta,
enviaram emissários a outros lugares; os resultados, porém, foram desastrosos.
Para o Ceará partiu o subdiácono José Martiniano Pereira de Alencar
(1794-1860), que acabou preso no Crato no dia 11 de maio; e para a Bahia seguiu
o Pe. José Inácio Ribeiro de Abreu Lima, chamado de “Padre Roma” (1794-1869)
que, reconhecido ao chegar a Salvador, foi preso no dia 26 de março, sendo
executado sumariamente três dias depois num lugar chamado Campo da Pólvora.
A reação armada dos
realistas tampouco tardou. Ainda no final de março, Dom Marcos de Noronha e
Brito (1771-1828), oitavo Conde dos Arcos, governador da Bahia, preparou um
ataque em duas frentes: por terra enviou uma tropa, e por mar uma pequena
frota, formada por um buque e duas corvetas, conseguindo esta última bloquear o
porto do Recife no dia 16 de abril de 1817. Entrementes, também no princípio de
abril, uma esquadra partira do Rio de Janeiro sob o comando de Rodrigo José
Ferreira Lobo, juntando-se à precedente no dia 23. Em seguida, o contingente
repressor desferiu violento ataque contra os revoltosos, sendo os governos da
Paraíba e do Rio Grande do Norte os primeiros a cair.
O Pernambuco acabou
tendo igual sorte e assim, após 74 dias de duração, a república rebelde
sucumbiu. Luís do Rego Barreto (1777-1840) foi imposto como governador e
capitão geral do Pernambuco em 26 de junho de 1817 e, depois de organizar uma
comissão militar presidida por ele mesmo, levou a cabo feroz repressão que
prendeu e enviou para Salvador os principais envolvidos. No navio Carrasco
foram mandados 71 e outros 30 na corveta Mercúrio. Rego Barreto também fez
executar muitos dos líderes, confiscando os seus bens e realizando inumeráveis
prisões. Tudo isso aconteceu num rito sumário sem direito a apelação.
O clero não foi
poupado. No Recife, dentre outros, foram mandados para a cadeia o pároco do
Cabo, Pe. Venâncio Henrique de Rezende (1784-1866), os dois vigários de Santo
Antônio e da Boa Vista, o guardião do convento de São Francisco (frei João da
Conceição Loureiro), e vários carmelitas. Pe. Pedro de Sousa Tenório, vigário
de Itamaracá, terminou enforcado e esquartejado no dia 10 de julho. Por sua
vez, Padre Miguelinho foi executado a tiros de arcabuzes na Bahia em 12 de
julho seguinte. Condenado também à pena capital, o Pe. Antônio Pereira de
Albuquerque, que se tornara membro do governo provisório da Paraíba, subiu ao
patíbulo em 6 de setembro, no Campo do Erário de Recife. Igual que no caso do
Pe. Pedro Tenório, vilipendiaram-lhe o cadáver, decepando dele as mãos e a
cabeça, enviadas respectivamente para a Vila do Pilar e cidade da Paraíba
(atual João Pessoa) para serem expostas em público. O tronco, arrastado pela
cauda de um cavalo, chegou até a igreja do Santíssimo Sacramento, aonde recebeu
sepultura.
Dois sacerdotes se
suicidaram: o primeiro deles, Pe. Antônio José Cavalcanti Lins, enforcou-se na
prisão das Cinco Pontas e o segundo, Padre João Ribeiro, no dia 21 de maio,
ante o avanço dos realistas, optou por matar-se de modo análogo. Ele cumpriu
este gesto na capela do Engenho Paulista, distante três léguas do Recife. As
tropas do governo chegaram três dias mais tarde, desenterraram e esquartejaram
o corpo, enviando as mãos para Goiana e a cabeça para o Recife. Depois de um
desfile macabro pelas ruas da capital da capitania, ao som de gritos
insultuosos, o crânio foi exposto na Praça do Comércio, para ser visto pelo
povo.
A militância
revolucionária do clero induziria o vice-almirante Rodrigo José Ferreira Lobo a
expedir uma carta a Dom João VI a fim de aconselhá-lo a não permitir que o novo
bispo sagrado para assumir a sé de Olinda, Dom Frei Antônio de São José Bastos
(1767-1819), que afinal, por razões outras, não tomou posse, deixasse o Rio de
Janeiro. “Senhor”, instava ele, “devo dizer à Vossa Real Majestade que não
devia mandar para esta capital o Bispo que está nesta Corte, pois tem aqui grande
partido, e contra Vossa Majestade”.
A admoestação não
foi ouvida, o mesmo acontecendo em relação ao protesto de José Albano Fragoso
(1768-1843), nomeado Juiz das Diligências por decreto de 21 de abril de 1817,
em vista da obtenção de todas as circunstâncias relativas à sublevação
acontecida. Fragoso argumentava, num documento datado de 19 de julho daquele
ano, ser contraditório condenar à morte o Padre Miguelinho, secretário da
revolução, mas não a primeira dignidade eclesiástica da diocese – aludia a Dom
Azeredo Coutinho (transferido para Portugal em 1802) – que, sendo membro de
“empestada seita [maçônica]”, segundo ele, “esquecendo-se da supremacia do seu
magistério” agira como instigador, fazendo “vacilar a crença do povo
pernambucano”.
De qualquer modo, o
governo se acautelou deixando fechado até 1822 o seminário de Olinda, que teve
suas portas cerradas em 20 de maio de 1817, dia em que as tropas realistas
entraram vitoriosas no Recife. Também baixou um edito através do qual os
religiosos foram obrigados a permanecerem dentro das paredes de seus
respectivos conventos. Em seguida, no ano de 1818, por ocasião da aclamação de
Dom João VI como novo soberano, um decreto baixado no dia 6 de fevereiro
ordenou o encerramento da devassa, além do perdão aos que ainda se achassem
encarcerados, excetuando-se os líderes da rebelião. Entretanto, os presos que
se encontravam sob processo na Bahia não foram beneficiados e somente em 1821
se viram livres. Entre eles estavam frei João da Conceição Loureiro, Frei
Caneca, Pe. Francisco Muniz Tavares e outros ainda. Contemporaneamente, tendo
constatado que dos 317 réus da revolução de 1817 levados a julgamento, 62 eram
acusados de serem membros da maçonaria, por meio do alvará de 30 de março de
1818, o rei proibiu as sociedades secretas.
Tais medidas foram
insuficientes, como anotou a inglesa Maria Graham (1785-1842) naquele mesmo
ano: “Se a firmeza de comportamento de Luiz do Rego falhou em manter a
capitania em obediência, será inútil a outros governadores tentá-lo”. De fato,
a Confederação do Equador, que eclodiu em 1824, já nos tempos do Brasil
independente, confirmaria que a exaltação politica local sobrevivera.
Fonte: Dicionário de
História Cultural da Igreja na América Latina
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