Aos movimentos que
antecederam o grito do Ipiranga, a revolução de 1817 foi o mais empolgante, o
mais trágico e que mais belos e fecundos exemplares deixou na história.
Repetidamente alguns
historiadores o classificam como explosão de quartel, o que é inverdade
palpável, porquanto houve um doutrinamento de quase vinte anos, no seio de
todas as classes, especialmente no clero e no exército.
Tendo regressado da
Europa, para onde fora como frade carmelita e voltara como médico, Arruda
Câmara estabeleceu residência em Itambé, nas raias de Pernambuco e Paraíba, e
aí fundou o célebre Aerópago,
sociedade político-secreta, frequentada pelas pessoas mais notáveis das duas
capitais, o qual catalogamos em nossa monografia A Maçonaria e a Revolução de 1817, como uma célula-mater da
maçonaria brasileira.
Nela doutrinava
Arruda Câmara pregando o nativismo e dele surgiu a conspiração que tinha por
objetivo fundar em Pernambuco uma república, sob o patrocínio de Napoleão
Bonaparte. Abortada a conspiração, presos alguns conspiradores, dissolvido o Aerópago, foram sucessivamente fundadas,
nos moldes deste e por pessoas que o frequentavam, a Academia de Suassuna, no município do Cabo, a poucas léguas de
Recife, e a Academia do Paraiso, na
própria vila de Recife. Eram esses dois clubs os principais focos de apostolado
republicano. Aí se doutrinavam abertamente a revolução, aí se iniciavam nos
mistérios da democracia os capitães-mores das vilas do interior, daí partiam
estes com instruções de fundar sociedades semelhantes por toda a capitania. O
nativismo dos acadêmicos era de tal natureza que nos seus banquetes substituíam
o pão pela farinha de mandioca, porque não produziam a farinha de trigo, e as
saúdes eram a aguardente, porque o vinho procedia de Portugal. Às academias
vieram juntar-se as lojas maçônicas, onde só eram admitidos brasileiros natos.
Como em 1710, era
grande a rivalidade entre brasileiros e portugueses. Parecia, para aqueles,
chegado o momento da aplicação do conselho de Leonardo Bezerra, um século
antes: “Não corteis um só quiri das matas; tratai de poupá-los, para em tempo
oportuno quebra-los nas costas dos marinheiros”. Padres e soldados
confundiam-se nas exaltações. Emissários das academias e das lojas maçônicas
são enviados, em propaganda, para o norte e para o sul. Os conjurados nada
temem, tão seguros se julgam. A exaltação chega ao auge. Num brinde, em
presença de uma brasileira casada com português, o tenente José Mariano,
levanta a taça “à saúde das senhoras brasileiras que não tiverem dúvida em
matar os marinheiros seus maridos”.
O governador Caetano
Pinto recebe denúncia da conspiração. Responde com desprezo: “Os maçons se
divertem. Nada podem fazer”.
Resolvem os
republicanos marcar uma data para a explosão do movimento: 6 de abril de 1817.
Antes, porém, na festa da Estância, capela levantada por Henrique Dias, um
oficial português insulta os brasileiros e um preto do regimento dos Henrique o
castiga.
Caetano Pinto
resolve, então, tomar precauções. Convoca um conselho militar para o dia 6 de
Março, pela manhã. Encarrega o marechal José Roberto de prender os paisanos
suspeitos: Domingos José Martins, Cruz Cabugá, Vasconcelos Bourbon, Guimarães
Peixoto e padre João Ribeiro, e determina que os chefes dos regimentos prendam
os militares capitães José de Barros Lima, vulgo Leão Coroado, Pedro da Silva
Pedroso, tenente José Mariano, 2º tenente Antônio Henrique Rabelo, e o ajudante
Manoel de Souza Teixeira.
Alguns paisanos são
presos sem ruído. O brigadeiro Barbosa de Castro reúne os oficiais de seu
regimento e antes de os prender, dirige-lhes insultos, visando especialmente ao
Leão Coroado, que num momento de cólera, o ultrapassa a espada, exclamando:
“pois, morra, infame”.
E assim explodiu
intempestivamente o movimento que rebentaria 30 dias depois, se não fora a
precaução de Caetano Pinto, se não fora arrogância de Barboza de Castro. Corre
ao erário o marechal Roberto e organiza a resistência. Informado do que
houvera, o governador manda o seu ajudante tenente-coronel Alexandre Tomás ao
quartel. Pedroso fuzila-o com uma descarga, porque, no conselho da manhã
daquele dia, Alexandre votara pelo extermínio dos conspiradores.
Tocam os sinos a
rebate. Leão Coroado estende a espada tinta de sangue e os oficiais a beijão
com o juramento de vencer ou morrer. Organiza forças, distribui armas e ele
próprio sai a campo.
São postos em
liberdade os conspiradores presos. Domingos Teotônio assume o comando das
forças e marcha contra o Erário. Roberto rende-se. Caetano Pinto refugia-se na
fortaleza do Brum, recebe um ultimato e capitula, sendo-me, embarcado para o
Rio de Janeiro. Triunfa a revolução e as insígnias reais são arrancadas das
barretinas. O exército nomeia 17 eleitores e estes, reunidos no Erário, elegem
o governo provisório: José Luiz de Mendonça, advogado; padre João Ribeiro;
Domingos Teotônio, exército; Domingos Martins, comércio; Manoel Correia de
Araújo, agricultura.
Há alegria popular.
Solene Te-Deum na matriz de Santo
Antônio. O tratamento de senhoria e mercê e substituído por vós patriota. São abolidos alguns
impostos e é elevado o soldo militar. O governador do bispado faz uma pastoral
entusiasta à revolução. O movimento estende-se por todas as vilas, dilata-se ao
sul até Alagoas inclusive e ao norte até os sertões do Ceará. Cruz Cabugá é
nomeado agente diplomático junto ao governo dos Estados Unidos para negociar o
reconhecimento da república pernambucana e comprar armamentos. Cumpre aqui
reproduzir uma observação de Oliveira Lima:
“Foi a democracia pernambucana, da gorada república, que seis anos antes de
Monroe formular sua doutrina, definiu, no Novo Mundo, o pan-americanismo”.
Abatida abandeira real, cumpria criar outra da república autônoma. E assim foi
criada a bandeira que, desde 1917, como homenagem aos patriotas de um século
antes, é símbolo de Pernambuco.
A cerimônia de sua
bênção foi imponentíssima. Em sua prédica patriótica, disse o Deão Ferreira
Portugal: “Patriotas, escudados por estas bandeiras, não tenhais medo nem dos
escravos do norte nem dos servandijas do sul. Eu mesmo, se vos faltar chefe, eu
serei à vossa frente, tendo-me por mais feliz morrer com homens livres do que
viver com vis escravos”. Era preciso que a nova república tivesse sua
constituição. Projetaram uma lei orgânica para ser discutida em todas as
municipalidades. Por ela – e talvez daí a causa fracasso da revolução – haveria
liberdade de imprensa e liberdade de culto, igualdade de direitos de todos os
cidadãos, extinção dos escravos. Até no movimento constitucionalista no Brasil,
o primeiro passo foi dado pelos pernambucanos. O governo arranjou o seu
exército e a sua esquadra com os elementos de que pôde dispor de momento e
cogitou de uma cidade central para capital da confederação republicana, no
qual, foi imitado sete anos depois, pelos revolucionários de 1824.
A Bahia, a cuja
Grande loja central estavam filiadas as lojas maçônicas de Pernambuco, embora
comprometida com os revolucionários, não quis ou não pôde abraçar o movimento.
E foi a causa eficiente da morte da república de 1817. O emissário que lhe
mandaram os republicanos – padre Roma – foi preso ao desembarcar, logo julgado
por uma comissão militar e arcabuzado dois dias depois, no sábado de Aleluia,
29 de março, em presença de seu filho capitão Abreu e Lima, que , preso, foi
levado ao Campo da Pólvora para assistir ao sacrifício do pai. Morreu como
herói. Encarando a força, bradou: “Camaradas, eu vos perdoo a morte.
Lembrai-vos , na pontaria, que aqui (pondo a mão no coração) é a fonte da vida,
aturai”.
Imediatamente tratou
o conde de Arcos, governador da Bahia, de mandar forças contra os
revolucionários. Alagoas, premida pelo império das circunstâncias, à
aproximação das forças realistas, abandonou os pernambucanos, o que lhe valeu
como prêmio, o galardão de sua autonomia. Foram igualmente vitoriosas as contra
revoluções do Rio Grande do Norte e da Paraíba. Fraca resistência poderia opor
o governo provisório de Pernambuco, reduzido a Teotônio Jorge e padre João
Ribeiro, porque Martins estava prisioneiro, José Luiz de Mendonça doente e
Correia de Araújo bandeado. O processo de defesa deste último, existente no
Instituto Arqueológico Pernambucano, é uma ignominia e demonstra a tibiez e
abastardamento de seu caráter.
Teotônio assume a
ditadura. “Ditador magnânimo” – crisma o Barbosa Lima. Está bloqueado e cercado
por terra. Recebe ordem de submeter-se sem condições. Replica pedindo anistia
para todos, sob pena de passar a espada os prisioneiros realistas, arrasar as
casas dos portugueses e mata-los todos, ameaça que não estava nos seus
cálculos, tanto que terminado o prazo do ultimatum, abandonou o Recife com o
resto de seus soldados, rumo do norte, sem destino certo. Bivacou no engenho
Paulista, poucos quilômetros ao norte de Olinda. No dia seguinte20 de maio, os
canhões realistas saudavam a tomada de Recife e João Ribeiro procurava a morta
pelas suas próprias mãos. Deu-se a debandada geral, no “salve-se quem puder”,
ficando em abandono o cofre público, intacto, com quinhentos contos de reis, porque
a honestidade dos patriotas era de tal natureza que nem dos honorários a que
tinham direito lançaram mãos os membros do governo. Desencadeia-se a reação
contra os vencidos. Levas de patriotas eras remetidas para a Bahia enquanto os
cabeças da revolução eram levados à forca um por um e após o suplício, cortadas
cabeças e mãos para serem expostas em lugares públicos como pasto aos corvos, e
atados os troncos à calda de cavalos bravios!... Subindo ao patíbulo, o
magnânimo ditador Domingos Teotônio Jorge exclamou para a multidão: “Meus
patriotas, a morte não me aterra; aterra-me a incerteza do juízo da
posteridade”. A posteridade julgou o movimento de 1817 considerando de festa
nacional, cem anos depois, o dia em que os patriotas pernambucanos realizaram o
seu projeto de vida efêmera.
Nenhum comentário:
Postar um comentário