No dia 01 de março
de 1817, o comerciante português Manuel de Carvalho Medeiros assinou uma
denúncia de conspiração, confirmada por várias pessoas, encaminhada ao Ouvidor
da Comarca do Sertão, José da Cruz Ferreira.
Diante dos ânimos
exaltados e da denúncia formal, com a intenção de evitar um levante, em 04 de
março o governador comunicou uma ordem do dia para as tropas, chamando-as à
obediência à monarquia e à harmonia entre brasileiros e portugueses. No dia 05
de março, dirige uma proclamação à população louvando a elevação do Brasil à
categoria de Reino Unido, dizendo que todos eram vassalos do mesmo soberano. No
dia 06 de março de 1817, o governador ordena o estado de alerta nos fortes e
quartéis, realiza um Conselho de Guerra, ordenando a prisão imediata de treze
pessoas entre acusados e suspeitos, principalmente os militares, para
neutralizar qualquer resistência.
Os civis foram
presos com facilidade. Entretanto, no Regimento de Artilharia, o brigadeiro
português Manoel Joaquim Barbosa de Castro, ao insultar oficiais brasileiros e
decretar a prisão dos militares acusados, foi imediatamente atravessado pela
espada do capitão José de Barros Lima, conhecido como “Leão Coroado”, seguido
no ataque por seu genro, o tenente José Mariano de Albuquerque Cavalcanti.
Ao saber do
ocorrido, o governador prontamente enviou seu ajudante de ordens,
tenente-coronel Alexandre Tomás para sufocar a rebelião. Este, ao entrar no
quartel, gritando ordens aos amotinados, foi morto por tiros comandados pelo
capitão Pedro da Silva Pedroso.
Os militares
rebeldes do quartel da artilharia foram para as ruas e em pouco tempo ocuparam
os bairros de Santo Antônio e do Recife, no centro da cidade, libertando os
civis republicanos que estavam presos. Temendo ser aprisionado e não confiando
em suas tropas, o governador, acompanhado de alguns militares da guarda do
palácio, refugiou-se na guarnição da Fortaleza do Brum, junto ao porto.
O marechal José
Roberto Pereira da Silva, Inspetor-Geral dos Milicianos da Capitania, resiste
com alguma tropa no Campo das Princesas, onde se situam o Palácio do Governo e
a Casa do Erário(4), mas a falta de munição e de orientações do governador
convence-no a se render. Acompanhado de seus homens, é permitido juntarem-se ao
governador na Fortaleza do Brum.
A rebelião ganha
adesão das camadas mais pobres da população. Os bairros São José e Boa Vista
são dominados pelos revoltosos. Os comerciantes portugueses, temendo agressões
e saques, fecham suas lojas e se escondem ou abandonam Recife com suas posses,
fugindo para a Bahia e informando os fatos a seu governador.
Já no dia 07 de
março, com Recife e Olinda dominadas, a notícia da revolução espalha-se pelo
interior da capitania. Proprietários de terras dos arredores e comandantes de
outras guarnições militares vêm à capital garantindo apoio.
Cercado na fortaleza
com poucos militares e funcionários, sem condições de resistir, o governador
assinou um ultimato que lhe foi levado pelo também revolucionário juiz José
Luís de Mendonça, entregando o governo da capitania aos revoltosos. No dia 09
de março de 1817 embarcou com os sitiados da fortaleza para o Rio de Janeiro. Ao
chegar na capital do reino em 25 de março, confirmou a notícia da revolução ao
Ministro Interino dos Negócios Estrangeiros, Antônio de Araújo e Azevedo, o
primeiro conde da Barca, que responsabilizando o governador deposto pela
derrota, imediatamente o recolhe preso à Ilha das Cobras, onde ficará por
quatro anos, ocupando depois cargos na corte carioca
Enquanto isso, em
Recife, o governo republicano se consolidava com rapidez. Ainda em 07 de março,
inspirados no Diretório francês de 1795, foram reunidos dezesseis dos mais
notáveis cidadãos locais, dos quais dois eram negros, e elegeram uma junta com
cinco membros representantes das categorias que lideravam o movimento, tendo
como presidente o padre João Ribeiro Pessoa de Mello Montenegro. No dia 08 foi
criada a Secretaria de Estado, entregue, a princípio, ao mesmo secretário do
governo português anterior, José Carlos Mayrink da Silva Fernão e,
posteriormente, ao padre Miguelinho. Criou-se nesse mesmo dia o Conselho de
Estado, com função de prestar assessoria à Junta Governista.
A Presidência do
Erário ficou a cargo do rico negociante Antônio Gonçalves da Cruz (Cabugá) que,
ao partir como embaixador para os Estados Unidos, a entregou a Gervásio Pires
Ferreira.
Nomeou-se o tenente
Felipe Nery Ferreira como Juiz de Polícia; a Domingos Theotônio Jorge Martins
Pessoa como General-em-Chefe do Exército e como General de Divisão a Francisco
de Paula Cavalcanti de Albuquerque, vulgo Suassuna, então Capitão-Mor de
Olinda.
Desde o início, o
governo procurou o apoio da elite local, evitando radicalismos, conciliando
interesses de brasileiros e portugueses, respeitando os compromissos com a
Igreja Católica e confirmando a propriedade dos senhores sobre suas terras e
escravos. Os revolucionários afirmavam que, apesar de necessária, a abolição da
escravidão só seria realizada a longo prazo e com as garantias legais.
Na proclamação de 29
de março, o governo revolucionário anunciava a convocação de uma Assembléia
Constituinte formada pelos representantes eleitos de todas as comarcas,
estabelecia a separação entre os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário,
mantinha o catolicismo como religião oficial – mas tolerando os demais cultos
cristãos – e proclamava a liberdade de imprensa. Anunciava ainda que o governo
provisório seria imediatamente substituído pelo governo eleito após a aprovação
da Constituição da República. (Andrade, 1995:19).
Para conquistar a
simpatia do povo, este projeto de Lei Orgânica (que é o primeiro texto
constitucional brasileiro) aumentou em três ou quatro vezes o soldo dos
militares e promoveu os oficiais revoltosos, alguns em até três graus na
hierarquia. Os impostos sobre a carne e outros alimentos essenciais foram
abolidos, proibiu-se a detenção por simples denúncia, estabeleceu que os
estrangeiros da região que dessem provas de adesão seriam considerados
"patriotas" e permitiu-se a permanência de portugueses que não se
opusessem ao modelo republicano. Garantiu o direito de propriedade (inclusive
de escravos), anulação de processos civis e criminais movidos pela Coroa
Portuguesa, o sequestro dos bens dos negociantes que fugiram por causa da
revolução e determinou-se a cunhagem de novas moedas.
Adotou-se uma nova
bandeira e, imitando a Revolução Francesa, substituiu-se o tratamento português
de “vossa mercê” por simplesmente “vós” de forma a destacar a igualdade entre
as pessoas, além de tratarem-se pelo termo “patriota” ou usarem este no lugar
de usual “senhor”. Alguns padres mais entusiasmados, para marcar a identidade
nativa, usaram aguardente nas missas em lugar do vinho e hóstias feitas de
mandioca em lugar do trigo.
Para a publicação
das leis e outras resoluções, se fundou em Recife a primeira tipografia da
capitania (e terceira do Brasil, onde, à época, funcionavam apenas a Impressão
Régia, no Rio de Janeiro, e a tipografia de Manuel Antônio da Silva Serva, na
cidade de Salvador).
Entretanto era
difícil o consenso dos interesses entre os envolvidos: senhores de engenho,
escravos libertados, militares e intelectuais que desejavam emprego na administração
pública.
Alguns dos
participantes apenas ganhavam tempo, aguardando uma reação das forças leais ao
governo português. Manuel Correia de Araújo, membro da Junta Governista
representando os senhores de engenho, viria mais tarde colaborar com as forças
governistas de repressão. Antônio de Morais Silva, senhor de engenho e
respeitado intelectual, autor de um famoso dicionário, não compareceu às
reuniões do Conselho de Estado para o qual foi nomeado, sempre alegando doença.
Outros, como Francisco de Paula Cavalcanti de Albuquerque, que comandou o
ataque das forças militares pernambucanas, tiveram atitudes dúbias quando a
revolução foi derrotada.
Além do conflito de
interesses, havia uma grande massa de escravos em relação aos quais era
necessário tomar decisões claras. Entre os revolucionários mais radicais,
existiam os que propunham a abolição do trabalho servil, como forma a ganhar a
adesão destes. Esta posição encontrava forte oposição dos proprietários rurais,
cuja riqueza dependia do trabalho escravo.
Após debates
iniciais, as lideranças revolucionárias assumiram uma posição ambígua quanto à
questão. Os escravos não foram libertados e a participação dos negros no
movimento tornou-se limitada.
Fonte: Sylvio Mário Bazote – Historiador e Psicólogo de Juiz de Fora – Minas Gerais