segunda-feira, 6 de março de 2017

1 - Apresentação


Após a chegada da Corte portuguesa, em 1808, o Rio de Janeiro não teve do que reclamar. Dom João VI e seu séquito transformaram a cidade no centro do Império Português. Ela passou a receber impostos vindos das outras regiões do Brasil e a desfrutar de todas as vantagens do sistema colonial. Se antes os brasileiros odiavam o controle exercido por Lisboa, agora era a supremacia do Rio que causava indignação. Na região norte (que hoje chamamos de Nordeste), o ressentimento com a corte era enorme. As cidades de lá não viam vantagem em mandar tanto dinheiro para o sul. Entre as taxas, havia uma destinada a financiar a iluminação das ruas do Rio. Não é surpresa que ela tenha se tornado o grande símbolo da exploração.

A Corte de D. João VI no Rio de Janeiro
Em nenhum lugar a revolta foi tão contundente como em Pernambuco. Entre 1817 e 1824, a província se manteve em estado de rebeldia constante, tornando-se uma pedra no sapato do rei português dom João VI e, depois, do imperador brasileiro dom Pedro I. Mas o que a elite pernambucana que promoveu esta revolta tinha de tão diferente e tão comum ao resto do país?

Para começar, entre 1630 e 1654, a então capitania tinha sido governada pelos holandeses. Os invasores foram expulsos pelos pernambucanos, que, em vez de proclamar independência, optaram por voltar a ser colônia de Portugal. Ao fazer isso, eles se sentiram senhores do seu próprio destino. Pernambuco estaria submetida à Coroa por opção. “Enquanto entre El Rei e os demais colonos prevaleceria urna sujeição natural, os pernambucanos manteriam com a monarquia um vínculo consensual, ao se haverem libertado dos Países Baixos mercê de uma guerra travada por seus próprios meios, havendo assim retornado à suserania lusitana de livre e espontânea vontade”, diz o historiador Evaldo Cabral de Mello no livro A Outra, Independência.

Esse gosto pela autonomia nascido no século 17 alimentou o ódio de Pernambuco às imposições da Corte. Para completar, a vinda de dom João VI coincidiu com um período inédito de prosperidade. No início do século 19, graças à produção de algodão, Pernambuco era uma das partes mais ricas do país. Do outro lado do oceano, Inglaterra e França viviam a Revolução Industrial e precisavam alimentar suas frenéticas fábricas de tecido. Os pernambucanos embarcavam sua produção no porto de Recife diretamente para o Velho Mundo (e para os Estados Unidos). Mas não podiam fazer isso sem prestar contas à Corte.

O algodão fez com que Recife se firmasse, ao lado de Salvador, corno grande entreposto comercial. “Recife tinha grande influência sobre Rio Grande do Norte, Ceará, Paraíba e Alagoas”, diz Eduardo Schnoor, doutor em História Social pela Universidade de São Paulo. Naquele intercâmbio não circulavam só mercadorias. Os comerciantes estrangeiros que aportavam em Recife traziam um bocado de novas ideias. E algumas delas não combinavam nada com a situação colonial, como os princípios de liberdade e igualdade que haviam inspirado a independência americana, em 1776, e a Revolução Francesa, em 1789. Quando esses ideais se juntaram à indignação diante dos impostos, o caldeirão revolucionário começou a ferver.

Há exatos 200 anos, no Regimento de Artilharia, o brigadeiro português Manoel Joaquim Barbosa de Castro, ao insultar oficiais brasileiros e decretar a prisão dos militares acusados, foi imediatamente atravessado pela espada do capitão José de Barros Lima, conhecido como “Leão Coroado”, seguido no ataque por seu genro, o tenente José Mariano de Albuquerque Cavalcanti. O Leão Coroado não podia imaginar que seu ato de bravura revolucionária desencadearia o movimento que fez da capitania a República de Pernambuco por 74 dias.

FonteSylvio Mário Bazote – Historiador e Psicólogo de Juiz de Fora – Minas Gerais

Um esclarecimento aos seguidores do blog. Não tenho formação em história, mas o meu dia a dia, depois de aposentado, é uma constante busca no aprendizado da matéria. Nossa intenção ao criar esse blog, é facilitar a pesquisa de estudantes dos ensinos fundamental, médio e de outras pessoas interessadas na História de Pernambuco, de modo especial, na Revolução Pernambucana de 1817, um tema que, dado a sua grande relevância, sempre foi abordado com pouca profundidade no ensino básico. A maior parte das postagens do blog é uma coletânea de informações de historiadores e pesquisadores que há tempo venho encontrando na web. Cada uma delas com a fonte de referência citada em itálico no final.

2 - As Origens da Revolução Pernambucana


A Revolução Pernambucana, também conhecida como Revolução dos Padres, devido a importância que os mesmos tiveram em sua organização e divulgação, foi um movimento separatista contra a Coroa Portuguesa que ocorreu em 1817 na capitania de Pernambuco.
Junta de Revolucionários Pernambucanos em 1817

O Iluminismo do século XVIII inspirou o pensamento liberal que alimentou os processos de independência nas Américas. No caso do Brasil, aquelas ideias orientaram todas as conspirações e movimentos voltados para a ruptura do domínio lusitano sobre a colônia. Assim, a Inconfidência Mineira de 1789, a Conjuração Fluminense de 1794, a Revolta dos Alfaiates de 1798 na Bahia e a Revolução Pernambucana de 1817 se constituíram nos principais movimentos políticos influenciados pelos ideais iluministas e que culminaram na Independência proclamada em 1822.

Pernambuco possuía uma longa tradição de buscar a solução de seus problemas com recursos próprios, desde a expulsão dos holandeses do nordeste brasileiro em 1654, após nove anos de guerra com pouco apoio dos portugueses. O contato com a administração holandesa, que permitia certa autonomia comercial e cultural, somada à vitoriosa luta contra estes, tornou o povo pernambucano particularmente orgulhoso e receptivo às ideias de liberdade e respeito aos seus méritos, julgando-se com direito de contestar em diversas ocasiões a autoridade do governo português, como na Guerra dos Mascates, em 1710.

No início do século XIX, a cidade Olinda e a vila Recife somavam mais de 40 mil habitantes, um conjunto urbano grande para a época. Pernambuco possuía um porto muito movimentado em Recife, alguns povoados e vilas com um comércio ativo, muitas plantações de cana e algodão, além de centenas de engenhos que fabricavam açúcar.

A exclusividade comercial com Portugal garantia a arrecadação dos tributos à Coroa e dava aos comerciantes portugueses o controle sobre os prazos e o preço das mercadorias, em uma relação desvantajosa que gerava um crescente desagrado para os brasileiros. Outro motivo de descontentamento da elite pernambucana era motivado pelo fato dos brasileiros raramente conseguirem ocupar os cargos mais importantes da administração pública, reservados aos portugueses.

A crescente pressão dos abolicionistas na Europa criou crescentes restrições ao tráfico de escravos, o que tornava esta mão-de-obra cada vez mais cara, sendo a escravidão o motor de toda a economia agrária pernambucana.

Os holandeses passaram a produzir e comercializar açúcar a partir de suas colônias na América Central (Antilhas), fazendo o preço do produto cair no mercado e diminuir o número de compradores, prejudicando os lucros dos senhores de engenho e comerciantes pernambucanos, tornando mais difícil o pagamento de dívidas, a importação de mercadorias e dos cada vez mais caros escravos africanos.

Em 1816 uma grande seca atingiu Pernambuco e região, causando uma queda na produção do açúcar e do algodão, que sustentavam a economia, o que gerou miséria e fome para parte da população, com falta de farinha e feijão.

Este conjunto de dificuldades pelas quais passava a capitania levou os pernambucanos em busca de saídas para a crise, e eles encontraram novas inspirações nos exemplos dos Estados Unidos e da França. Além disso, o apoio da Inglaterra e dos Estados Unidos aos hispano-americanos em conflito contra a metrópole espanhola alimentava a expectativa de que iniciativas revolucionárias na América portuguesa pudessem contar com o mesmo tipo de ajuda. O fato de haver uma considerável quantidade de ingleses estabelecidos nas grandes cidades brasileiras e movimentarem uma quantia cada vez maior de dinheiro em seus negócios reforçava essa expectativa, uma vez que os interesses dos britânicos eram os mesmos que os das elites nordestinas, como o fim do monopólio e estabelecimento do livre comércio.

Com a vinda da família real para o Brasil, em 1808, ocorre a abertura dos portos brasileiros às nações amigas, favorecendo os comerciantes brasileiros, que não precisavam mais dividir seus lucros com os intermediários portugueses. No entanto, as iniciais vantagens econômicas e culturais com as visitas de estrangeiros não foram seguidas por vantagens políticas.

A instalação da sede da monarquia portuguesa no Rio de Janeiro fez com que todas as capitanias tivessem que pagar novos impostos sobre a exportação do açúcar, tabaco e couros, criando-se ainda uma série de outras taxas, afetando diretamente as capitanias do norte, que a Corte sobrecarregava com recrutamentos e com as contribuições para cobrir as despesas das guerras na Guiana e no Prata.

As riquezas que saiam de Pernambuco eram usadas para custear a crescente estrutura burocrática do reino e financiar obras públicas para a modernização da cidade do Rio de Janeiro, de modo a aumentar o conforto da corte portuguesa e o prestígio com os visitantes estrangeiros.

Outro efeito da vinda da família real portuguesa para o Brasil foi o deslocamento do eixo de importância política no Brasil do norte para o sul, o que, juntamente com o sucessivo aumento de impostos, contribuiu para aumentar a instabilidade política e as tensões sociais.

Na mesma medida em que diminuíam os lucros e o poder político da elite pernambucana, aumentavam o descontentamento e desejo de autonomia. As conversas criticando a Coroa Portuguesa aconteciam abertamente nas ruas, festas e repartições públicas, tendo como um dos principais alvos o governador da capitania desde 1804, capitão-general Caetano Pinto de Miranda Montenegro. O experiente ex-governador do Mato Grosso era considerado tolerante, omisso e pouco voltado para o trabalho, o que resultou em uma administração ineficiente, com estradas e edifícios públicos mal conservados e serviços essenciais, como a limpeza nas ruas, feitos com desleixo. Os militares, recebendo baixos salários com atraso, pouco cuidavam dos problemas de segurança.

Entre aqueles que publicamente espalhavam ideias liberais e republicanas destacavam-se os padres formados no Seminário de Olinda.

Pelo menos 70 padres participaram do levante, segundo os cálculos feitos [...] sobre os autos da devassa. Entretanto, como muito dos documentos sobre 1817 foram destruídos pelos próprios revolucionários no momento em que as forças realistas encurralavam os levantados, e como a devassa foi encerrada antes de chegar às suas primeiras conclusões, é presumível que o número de eclesiásticos na revolução pernambucana seja ainda maior. [...] A documentação é abundante em demonstrar que o clero se empenhou em persuadir e aliciar a população a favor da revolução, consolidando conquistas e intimando indecisos e desobedientes. Próximos aos militares, os padres desempenharam diversos papéis nas tropas desde capitães de guerrilha até soldados. Há até casos em que alguns conventos serviram de campo de treinamento militar ou mesmo como local para alojar armas. A revolução de 1817 só terá sucesso em se difundir por regiões mais amplas quando fizer uso do aparelho eclesiástico, atingindo até mesmo os sertões por meio de fios que ligavam os vigários, as igrejas e paróquias às grandes autoridades do bispado. Os púlpitos, pastorais e até os livros de tombo das paróquias estarão impregnados pelo ideário revolucionário. O governo provisório por meio do clero fez circular pastorais instruindo os fiéis a abandonarem as rivalidades que dividiam o rebanho entre brasileiros e europeus [...]. Dessa forma, as pastorais, amparadas pelas explanações do clero serviram como um dos vários instrumentos políticos de doutrinação para legitimar o levante. (Andrade, 2011:246-247).

Os comerciantes portugueses, ligados à exportação de açúcar e algodão, estavam cada vez mais amedrontados no ambiente hostil em que viviam, preocupados por um lado com a violência de uma possível revolta de negros e mulatos e, por outro lado, com a rivalidade dos grandes proprietários brasileiros, que se consideravam nobres por possuírem terra e chamavam os lusitanos pejorativamente de “mascates” ou “marinheiros”, porque estes chegavam da Europa em navios. Contribuía para aumentar a hostilidade, o fato dos portugueses emprestarem dinheiro aos brasileiros com juros mais altos do que a outros portugueses, e cobrarem pesadas multas por atrasos nos pagamentos. Os comerciantes portugueses, ligados à exportação de açúcar e algodão, estavam cada vez mais amedrontados no ambiente hostil em que viviam, preocupados por um alado com a violência de uma possível revolta de negros e mulatos e, por outro lado, com a rivalidade dos grandes proprietários brasileiros, que se consideravam nobres por possuírem terra e, chamavam os lusitanos pejorativamente de "mascates" ou "marinheiros", porque estes chegavam da Europa em navios. Contribuía para aumentar a hostilidade, o fato dos portugueses emprestarem dinheiro aos brasileiros com juros altos mais altos do que a outros portugueses, e cobrarem pesadas multas por atrasos nos pagamentos.

FonteSylvio Mário Bazote – Historiador e Psicólogo de Juiz de Fora – Minas Gerais

3 - A Maçonaria na Revolução Pernambucana de 1817


Bandeira da Revolução de 1817
Devido à repressão que enfrentou ao longo do tempo, por motivos religiosos ou políticos, a Maçonaria tornou-se uma entidade reservada, dificultando uma pesquisa adequada de sua cronologia ou atuação nos movimentos ocorridos, o que abre espaço para lendas e especulações sem confirmação. A participação maçônica em alguns episódios brasileiros poderia ser erroneamente creditada por conta do fato dos conspiradores se reunirem em associações secretas, inspirados pelas mesmas ideias iluministas e libertárias que caracterizavam os encontros da Maçonaria. Outro engano comum na época dos movimentos era o das autoridades dos regimes monárquicos caracterizarem qualquer simpatia às ideias republicanas com “as francesias”, que equivaleriam aos ideais da Maçonaria, associando sempre ambos.

Portugal até então não havia fundado nenhuma universidade no Brasil. A elite intelectual brasileira era pequena e poucos possuíam recursos para custear um curso superior na Europa ou em seminários religiosos.

Por isso merece destaque o seminário de Olinda, fundado em 1800, que teve entre seus professores e alunos notáveis pensadores e militantes políticos liberais. Muitos deles deram importante contribuição às revoltas pernambucanas de 1817 e 1824 e à própria organização política do Império. (Andrade, 1995:10).

Na difusão das ideias liberais, se destacou o médico e botânico paraibano Manuel de Arruda Câmara, que estudou na França e trouxe para o Brasil os ideais maçônicos, fundando no Pernambuco em 1796 o “Areópago(3) de Itambé”, a primeira loja da Maçonaria oficialmente reconhecida no Brasil. Em 1814 há o estabelecimento em Recife da loja maçônica “Patriotismo”. Em 1816 funcionavam em Pernambuco mais três lojas: “Restauração”, “Pernambuco do Oriente” e “Pernambuco do Ocidente”, as duas últimas fundadas pelo comerciante mulato Antônio Gonçalves da Cruz, conhecido como “Cabugá”. Estas lojas eram apresentadas ao público como academias de intelectuais, pois os membros de sociedades secretas eram sujeitos a condenação por crime de lesa-majestade. Os maçons passaram a fazer reuniões sigilosas e discutir diversos assuntos, entre os quais estavam as "infames ideias francesas" e a elaboração de planos para uma revolução.

Entre eles destacavam-se os padres, comerciantes, militares, juízes e proprietários de terras e de escravos. Homens ricos, instruídos e poderosos, que buscavam alternativas variando de ideias conservadoras como uma Constituição que limitasse os poderes da família real portuguesa ao radicalismo de uma república independente com reforma tributária, baseada nas ideias de liberdade, igualdade e federação, que lhes permitisse manter os direitos e privilégios que possuíam na ordem colonial.

Entre os líderes e participantes da Revolução Pernambucana de 1817 estavam diversos maçons comprovados: padre João Ribeiro de Pessoa de Mello Montenegro, Domingos José Martins e capitão Domingos Theotônio Jorge Martins Pessoa, os três eleitos membros da Junta Governista; padre Miguel Joaquim de Almeida Castro (padre Miguelinho), eleito Secretário de Estado do governo provisório; o capitão José de Barros Lima (Leão Coroado), capitão Pedro da Silva Pedroso e o tenente José Mariano de Albuquerque Cavalcanti, responsáveis pelo início do levante no quartel de Artilharia e o comerciante Antônio Gonçalves da Cruz (Cabugá), embaixador do governo provisório nos Estados Unidos e responsável pela compra de armas para a revolução.

O padre maçom Francisco Muniz Tavares, participante da revolução, descreve da seguinte forma a influência da Maçonaria no movimento pernambucano:

Na vida efêmera de 74 dias, decurso do regime republicano de 1817, a revolução espalhou-se rapidamente não só ao norte e sul, graças as credenciais de Suassuna preparando o espírito dos irmãos ao norte em repetidas viagens, de Teotônio Jorge fazendo o mesmo ao sul e de José Luiz Mendonça iniciando em sua casa os capitães do interior. Para o provar citamos as palavras de Oliveira Lima, referindo-se à generalização no centro da província e na Paraíba, onde não foi preciso inflamar a propaganda: “Os proprietários rurais, os militares e os populares que marchavam para a capital da capitania onde as lojas maçônicas havia anos se nutriam dos novos ideais, foram ali recebidos com efusão, sendo proclamado o novo regime no dia 13 de março e organizada uma junta temporária, a exemplo de Pernambuco.” (Pereira, 2010).

FonteSylvio Mário Bazote – Historiador e Psicólogo de Juiz de Fora – Minas Gerais

4 - O Início da Revolução Pernambucana


No dia 01 de março de 1817, o comerciante português Manuel de Carvalho Medeiros assinou uma denúncia de conspiração, confirmada por várias pessoas, encaminhada ao Ouvidor da Comarca do Sertão, José da Cruz Ferreira.

Diante dos ânimos exaltados e da denúncia formal, com a intenção de evitar um levante, em 04 de março o governador comunicou uma ordem do dia para as tropas, chamando-as à obediência à monarquia e à harmonia entre brasileiros e portugueses. No dia 05 de março, dirige uma proclamação à população louvando a elevação do Brasil à categoria de Reino Unido, dizendo que todos eram vassalos do mesmo soberano. No dia 06 de março de 1817, o governador ordena o estado de alerta nos fortes e quartéis, realiza um Conselho de Guerra, ordenando a prisão imediata de treze pessoas entre acusados e suspeitos, principalmente os militares, para neutralizar qualquer resistência.

Os civis foram presos com facilidade. Entretanto, no Regimento de Artilharia, o brigadeiro português Manoel Joaquim Barbosa de Castro, ao insultar oficiais brasileiros e decretar a prisão dos militares acusados, foi imediatamente atravessado pela espada do capitão José de Barros Lima, conhecido como “Leão Coroado”, seguido no ataque por seu genro, o tenente José Mariano de Albuquerque Cavalcanti.

Ao saber do ocorrido, o governador prontamente enviou seu ajudante de ordens, tenente-coronel Alexandre Tomás para sufocar a rebelião. Este, ao entrar no quartel, gritando ordens aos amotinados, foi morto por tiros comandados pelo capitão Pedro da Silva Pedroso.

Os militares rebeldes do quartel da artilharia foram para as ruas e em pouco tempo ocuparam os bairros de Santo Antônio e do Recife, no centro da cidade, libertando os civis republicanos que estavam presos. Temendo ser aprisionado e não confiando em suas tropas, o governador, acompanhado de alguns militares da guarda do palácio, refugiou-se na guarnição da Fortaleza do Brum, junto ao porto.

O marechal José Roberto Pereira da Silva, Inspetor-Geral dos Milicianos da Capitania, resiste com alguma tropa no Campo das Princesas, onde se situam o Palácio do Governo e a Casa do Erário(4), mas a falta de munição e de orientações do governador convence-no a se render. Acompanhado de seus homens, é permitido juntarem-se ao governador na Fortaleza do Brum.

A rebelião ganha adesão das camadas mais pobres da população. Os bairros São José e Boa Vista são dominados pelos revoltosos. Os comerciantes portugueses, temendo agressões e saques, fecham suas lojas e se escondem ou abandonam Recife com suas posses, fugindo para a Bahia e informando os fatos a seu governador.

Já no dia 07 de março, com Recife e Olinda dominadas, a notícia da revolução espalha-se pelo interior da capitania. Proprietários de terras dos arredores e comandantes de outras guarnições militares vêm à capital garantindo apoio.

Cercado na fortaleza com poucos militares e funcionários, sem condições de resistir, o governador assinou um ultimato que lhe foi levado pelo também revolucionário juiz José Luís de Mendonça, entregando o governo da capitania aos revoltosos. No dia 09 de março de 1817 embarcou com os sitiados da fortaleza para o Rio de Janeiro. Ao chegar na capital do reino em 25 de março, confirmou a notícia da revolução ao Ministro Interino dos Negócios Estrangeiros, Antônio de Araújo e Azevedo, o primeiro conde da Barca, que responsabilizando o governador deposto pela derrota, imediatamente o recolhe preso à Ilha das Cobras, onde ficará por quatro anos, ocupando depois cargos na corte carioca

Enquanto isso, em Recife, o governo republicano se consolidava com rapidez. Ainda em 07 de março, inspirados no Diretório francês de 1795, foram reunidos dezesseis dos mais notáveis cidadãos locais, dos quais dois eram negros, e elegeram uma junta com cinco membros representantes das categorias que lideravam o movimento, tendo como presidente o padre João Ribeiro Pessoa de Mello Montenegro. No dia 08 foi criada a Secretaria de Estado, entregue, a princípio, ao mesmo secretário do governo português anterior, José Carlos Mayrink da Silva Fernão e, posteriormente, ao padre Miguelinho. Criou-se nesse mesmo dia o Conselho de Estado, com função de prestar assessoria à Junta Governista.

A Presidência do Erário ficou a cargo do rico negociante Antônio Gonçalves da Cruz (Cabugá) que, ao partir como embaixador para os Estados Unidos, a entregou a Gervásio Pires Ferreira.

Nomeou-se o tenente Felipe Nery Ferreira como Juiz de Polícia; a Domingos Theotônio Jorge Martins Pessoa como General-em-Chefe do Exército e como General de Divisão a Francisco de Paula Cavalcanti de Albuquerque, vulgo Suassuna, então Capitão-Mor de Olinda.

Desde o início, o governo procurou o apoio da elite local, evitando radicalismos, conciliando interesses de brasileiros e portugueses, respeitando os compromissos com a Igreja Católica e confirmando a propriedade dos senhores sobre suas terras e escravos. Os revolucionários afirmavam que, apesar de necessária, a abolição da escravidão só seria realizada a longo prazo e com as garantias legais.

Na proclamação de 29 de março, o governo revolucionário anunciava a convocação de uma Assembléia Constituinte formada pelos representantes eleitos de todas as comarcas, estabelecia a separação entre os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, mantinha o catolicismo como religião oficial – mas tolerando os demais cultos cristãos – e proclamava a liberdade de imprensa. Anunciava ainda que o governo provisório seria imediatamente substituído pelo governo eleito após a aprovação da Constituição da República. (Andrade, 1995:19).

Para conquistar a simpatia do povo, este projeto de Lei Orgânica (que é o primeiro texto constitucional brasileiro) aumentou em três ou quatro vezes o soldo dos militares e promoveu os oficiais revoltosos, alguns em até três graus na hierarquia. Os impostos sobre a carne e outros alimentos essenciais foram abolidos, proibiu-se a detenção por simples denúncia, estabeleceu que os estrangeiros da região que dessem provas de adesão seriam considerados "patriotas" e permitiu-se a permanência de portugueses que não se opusessem ao modelo republicano. Garantiu o direito de propriedade (inclusive de escravos), anulação de processos civis e criminais movidos pela Coroa Portuguesa, o sequestro dos bens dos negociantes que fugiram por causa da revolução e determinou-se a cunhagem de novas moedas.

Adotou-se uma nova bandeira e, imitando a Revolução Francesa, substituiu-se o tratamento português de “vossa mercê” por simplesmente “vós” de forma a destacar a igualdade entre as pessoas, além de tratarem-se pelo termo “patriota” ou usarem este no lugar de usual “senhor”. Alguns padres mais entusiasmados, para marcar a identidade nativa, usaram aguardente nas missas em lugar do vinho e hóstias feitas de mandioca em lugar do trigo.

Para a publicação das leis e outras resoluções, se fundou em Recife a primeira tipografia da capitania (e terceira do Brasil, onde, à época, funcionavam apenas a Impressão Régia, no Rio de Janeiro, e a tipografia de Manuel Antônio da Silva Serva, na cidade de Salvador).

Entretanto era difícil o consenso dos interesses entre os envolvidos: senhores de engenho, escravos libertados, militares e intelectuais que desejavam emprego na administração pública.

Alguns dos participantes apenas ganhavam tempo, aguardando uma reação das forças leais ao governo português. Manuel Correia de Araújo, membro da Junta Governista representando os senhores de engenho, viria mais tarde colaborar com as forças governistas de repressão. Antônio de Morais Silva, senhor de engenho e respeitado intelectual, autor de um famoso dicionário, não compareceu às reuniões do Conselho de Estado para o qual foi nomeado, sempre alegando doença. Outros, como Francisco de Paula Cavalcanti de Albuquerque, que comandou o ataque das forças militares pernambucanas, tiveram atitudes dúbias quando a revolução foi derrotada.

Além do conflito de interesses, havia uma grande massa de escravos em relação aos quais era necessário tomar decisões claras. Entre os revolucionários mais radicais, existiam os que propunham a abolição do trabalho servil, como forma a ganhar a adesão destes. Esta posição encontrava forte oposição dos proprietários rurais, cuja riqueza dependia do trabalho escravo.

Após debates iniciais, as lideranças revolucionárias assumiram uma posição ambígua quanto à questão. Os escravos não foram libertados e a participação dos negros no movimento tornou-se limitada.

FonteSylvio Mário Bazote – Historiador e Psicólogo de Juiz de Fora – Minas Gerais

5 - Adesões à Revolução Pernambucana


O movimento ganhou o apoio da Ilha de Itamaracá, decretou a prisão do juiz de foro da cidade de Goiana, associado à Monarquia e mandou emissários para outras capitanias procurando apoio.

O capitão José de Barros Falcão de Lacerda, que entre 1811 e 1812 foi comandante do presídio da Ilha de Fernando de Noronha, foi designado para ir a esta ilha, neutralizar suas fortificações e trazer para Recife os arquivos militares, a maioria dos militares que lá se encontravam em serviço e recrutar presos condenados por penas leves.

Para a Bahia foi por mar o padre José Inácio Ribeiro de Abreu e Lima (padre Roma). Parando em Sergipe, consegue a adesão do tenente-coronel Antônio José Vitoriano Borges da Fonseca, comandante de Alagoas, então comarca de Pernambuco. Chegando, porém às imediações da cidade de Salvador, foi preso ao desembarcar na praia de Itapoã, por ordem do governador da capitania baiana, onde já havia chegado a notícia da rebelião pernambucana. Padre Roma ainda teve tempo de jogar na água papéis comprometedores que trazia. O que não impediu que fosse rapidamente julgado, condenado e fuzilado em 29 de março de 1817, três dias depois de ser preso.

Para o Ceará seguiu por terra o jovem subdiácono(5) José Martiniano de Alencar que, após participar juntamente com seus familiares da proclamação da república na vila do Crato em 03 de maio de 1817, foi preso neste local com os outros envolvidos e enviados para Fortaleza. A República do Crato durou apenas oito dias, não contando com a participação de parte de sua população, o que facilitou o fim do movimento na cidade e consequentemente no Ceará.

Na Paraíba e Rio Grande do Norte instalaram-se também, com rápida e fácil adesão, governos republicanos aliados ao pernambucano. Destacam-se os governos revolucionários pernambucano e paraibano pela intensa documentação criada em seu pouco tempo de existência.

Na Paraíba, repleta de ex-alunos do Seminário de Olinda e primeira a aderir à revolução, o movimento se iniciou poucos dias depois de Recife, na vila de Itabaiana, graças ao apoio de sua principal autoridade militar, o tenente-coronel de cavalaria de linha Francisco José da Silveira. Além dele, participaram ativamente João Batista Rego, um dos chefes locais e proprietário de terras, além de Manuel Clemente Cavalcante, jovem de importante família local e que estudou em Recife. Manuel Clemente provocou um levante dos proprietários e recebeu apoio de várias vilas e povoações vizinhas, marchando sobre a cidade de Pilar e em seguida sobre a capital, a cidade da Paraíba. Não havendo resistência, formou-se uma junta governativa republicana em 13 de março de 1817. No entanto, muitos proprietários que a princípio apoiaram o movimento não gostaram da forma como foi realizada a eleição da junta, por considerarem que a escolha de seus membros não beneficiava igualmente a todos. Alguns retornaram a suas terras, apoiando depois a reação governista.

No Rio Grande do Norte, então capitania subalterna de Pernambuco, o governador, capitão-mor José Inácio Borges, considerado como simpatizante das ideias liberais, procurou na cidade de Goianinha o rico proprietário do engenho Cunhaú, coronel de milícias André de Albuquerque Maranhão, para um pacto sobre a defesa da monarquia. André Maranhão, depois de hesitar durante algumas horas, mandou prender o governador quando este pernoitava no engenho Belém, retornando à Natal. Enviou-o preso para Recife. Em 29 de março de 1817, diante do desinteresse da população, criou-se uma junta revolucionária dirigida pelo padre Feliciano José Dornellas e composta pelo coronel André de Albuquerque Maranhão, o tenente-coronel José Peregrino e o capitão-mor João de Albuquerque Maranhão.

FonteSylvio Mário Bazote – Historiador e Psicólogo de Juiz de Fora – Minas Gerais

6 - A Diplomacia dos Revolucionários Pernambucanos no Exterior


Ao mesmo tempo em que o governo revolucionário pernambucano procurava a adesão de outras capitanias, enviava representantes ao exterior para conseguir apoio. Para a manutenção da nova república, movimentou-se a maçonaria em conseguir simpatia e recursos junto às suas lojas de Londres e, em particular, dos Estados Unidos.
Antônio Gonçalves de Cruz Cabugá

Para o Rio da Prata (Argentina) seguiu Félix José Tavares de Lima, com instruções para conseguir também ajuda entre os paraguaios, mas não obteve resultados.

Para a Inglaterra foi Henry Kesner, um comerciante inglês residente em Recife, para se encontrar com o ministro Lord Castlereargh e pedir proteção daquele país para a república pernambucana. O governo inglês, porém, permaneceu neutro. Kesner também entregou documentos ao jornalista Hipólito José da Costa Pereira Furtado de Mendonça convidando-o para defender a causa da revolução em Londres e lhe oferecendo o cargo de ministro plenipotenciário(6) da nova República. Este se negou a fazê-lo e publicou em sua revista (Correio Brasiliense) os documentos recebidos, com censuras ao movimento, que julgou imprudente e contrário aos interesses do Brasil.

Para os Estados Unidos foram o tenente Domingos Malaquias de Aguiar Pires Ferreira e o negociante maçom Antônio Gonçalves da Cruz (Cabugá). Desembarcaram em maio de 1817 na Filadélfia com 800 mil dólares (aproximadamente 12 milhões de dólares, atualizado ao câmbio de 2007) e três objetivos: comprar armas e munições, convencer o governo americano a apoiar os rebeldes em troca de gêneros livres de impostos por vinte anos aos comerciantes americanos e recrutar oficiais norte-americanos da marinha ou antigos revolucionários franceses exilados nos Estados Unidos para, com a ajuda destes, melhorar a organização da revolução em Pernambuco.

Em troca da participação dos oficiais franceses, os pernambucanos os apoiariam na libertação de Napoleão Bonaparte, exilado então pelos ingleses na Ilha de Santa Helena, transportando-o para Recife e posteriormente para os Estados Unidos.

Cabugá dedicou-se aos encontros diplomáticos e recrutamento dos militares enquanto Domingos Malaquias ocupou-se das medidas práticas para a compra das armas. Cabugá chegou a se encontrar com o ex-presidente americano Adams e com o Secretário de Estado, Richard Rush, mas somente conseguiu o compromisso de que, enquanto durasse a rebelião, os Estados Unidos autorizariam a entrada de navios pernambucanos em águas americanas e que também aceitariam dar asilo ou abrigo a eventuais refugiados, em caso de fracasso do movimento.

Os Estados Unidos ignoraram a proposta de apoio e prontamente (assim com a Inglaterra) legislaram no sentido de ser proibido o fornecimento oficial de armas e munições aos rebeldes.

FonteSylvio Mário Bazote – Historiador e Psicólogo de Juiz de Fora – Minas Gerais

7 - Conflitos na Revolução Pernambucana de 1817


O dividido governo provisório pernambucano entrou em crise quando Domingos José Martins, que havia formado uma tropa com trezentos escravos negros tirados de seus senhores, prometeu-lhes alforria para incentivá-los à luta. Para piorar a situação, Domingos Theotônio Jorge Martins Pessoa incentiva os negros a uma rebelião pela liberdade, enquanto o governo provisório (do qual os dois eram líderes na Junta Governista) tentava tranquilizar a população, principalmente os ricos senhores de terras, quanto ao direito de propriedade.

O fato é que as elites agrárias poderiam ser anticolonialistas ou liberais, mas não eram antiescravistas, uma vez que sua riqueza dependia dessa mão-de-obra. E isso valia não apenas para os nordestinos, mas para todo o Brasil da época.

Estas contradições causaram a perda de confiança das classes ricas que participavam da revolução, levando a maioria dos proprietários de terras e escravos do interior da capitania a apoiar o exército real e colaborar na reconquista de Recife.

Os senhores de engenho não apoiaram a revolução e os comerciantes ainda menos. Portugueses em sua maioria, poucos deles se aliaram aos rebeldes. Apenas alguns, geralmente brasileiros, ficaram com os revolucionários, como Domingos José Martins e Gervásio Pires Ferreira.

Após o fim da revolução, muitos senhores de engenho e comerciantes alegaram que tinham colaborado com os rebeldes à força ou à espera de uma oportunidade para enfrentá-los. Um bom exemplo deste oportunismo é o caso e José Carlos Maynrink da Silva Ferrão, que era secretário do governador deposto pelos revolucionários, continuou neste cargo durante a breve república pernambucana e depois que os revolucionários foram derrotados permaneceu ligado ao governo português.

Em Pernambuco, mesmo com a posse dos principais centros urbanos (Recife e Olinda), a revolução republicana não conseguiu impor seu domínio sobre todo o território da capitania. Apesar das vitórias nas capitais da Paraíba e do Rio Grande do Norte, havia nestas capitanias focos de resistência no interior e desinteresse ou atitude duvidosa de parte da população.

A defesa do território conquistado pelos revolucionários era difícil. O governo revolucionário contava com aproximadamente 3 mil homens, entre militares do Exército e civis voluntários, o que era uma tropa pequena em comparação ao tamanho do território. Os rebeldes tentaram organizar uma cavalaria, oferecendo o posto de capitão a quem formasse uma companhia de aproximadamente cem homens, mas não possuíam oficiais competentes para isso. Com uma grande faixa litorânea para defender e sem uma marinha de guerra, os pernambucanos aparelharam um brique(7), duas canhoneiras e uma embarcação mercante, colocando-os sob o comando de Luís Francisco de Paula Cavancanti, proprietário rural sem prática de navegação.

O governador da Bahia, capitão-general Marcos de Noronha e Brito, o Conde dos Arcos, após o fuzilamento do padre Roma, mesmo sem instruções do governo do Rio de Janeiro, rapidamente mobilizou os recursos militares da capitania, transformando-a na base das forças portuguesas para conter as forças revolucionárias.

Sem demora, em 28 de março de 1817, enviou para Alagoas uma força terrestre como vanguarda, sob o comando do major José Egídio Gordilho Veloso de Barbuda para combater a pequena tropa de que dispunha Borges da Fonseca. A tropa alagoana dispersou sem oferecer resistência e seu chefe foi preso. Ao mesmo tempo avançavam rumo a Recife uma frota, armada às pressas, para realizar o bloqueio de seu porto, e por terra a maior parte da tropa, com aproximadamente 4 mil homens, sob o comando do marechal Joaquim de Melo Leite Cogominho de Lacerda. Quando as tropas atravessaram o Rio São Francisco em 01 de maio, marcharam sem dificuldades, com o apoio dos proprietários alagoanos, para o norte em direção a uma Recife já bloqueada pelo mar, pela força naval baiana comandada pelo capitão Rufino Pires.

Enquanto isso, no Rio de Janeiro, a notícia da revolução causou grande repercussão na população. Imediatamente após saber da revolução pernambucana, a Coroa despachou para Recife uma pequena esquadra composta de uma fragata, duas corvetas e uma escuna, sob o comando do contra-almirante Rodrigo José Ferreira Lobo e as nações amigas foram notificadas do bloqueio naval aos rebeldes.

Reuniu-se, sob a supervisão pessoal de Dom João VI, a maior parte do material e contingentes militares disponíveis em meio a manifestações de apoio, com particulares fazendo doações para a compra das armas e munições necessárias, enquanto voluntários alistavam-se para as tropas de milícias.

Do Rio de Janeiro, em 02 de abril de 1817, seguiu uma expedição militar, que sob as ordens do capitão-general Luis do Rego Barreto, reunia duas naus de guerra e de nove a dez embarcações menores levando quatro batalhões de infantaria, dois esquadrões de cavalaria e um destacamento de artilharia com oito canhões, num total de 4 mil homens. Foi enviada ao mesmo tempo, para Portugal, ordem de trazer dois regimentos de infantaria, num total de 2600 homens, parte destinada a reforçar a expedição incumbida a Luis do Rego Barreto, enquanto outra parte deveria ficar em Salvador.

A pronta ação do Conde dos Arcos [...] parece ter inibido qualquer manifestação na Bahia por parte de simpatizantes do movimento, que, ao que tudo indica, não seriam poucos. Na própria Corte suspeitou-se da existência daqueles simpatizantes, e, ao se ter notícia da Revolução, um dos principais atos do Governo foi mandar proceder a uma devassa sobre os acontecimentos, que a muitos fez colocar na prisão no Rio de Janeiro. (Mourão, 2009:22).

No dia 20 de abril, de acordo com o padre pernambucano Dias Martins, “proclama-se a Pátria em perigo” e lança-se mão da convocação de escravos (pelo que seus senhores seriam indenizados) para integrarem as forças que, sob as ordens dos principais líderes militares iriam combater as tropas vindas da Bahia. A maioria dos senhores de terra não atendeu à convocação, não havendo, portanto, significativo reforço nas forças revolucionárias.

Em 23 de abril a esquadra carioca chega a Recife, completando o bloqueio naval da cidade. O plano da Coroa Portuguesa era atacar por duas frentes: bloquear Recife pelo mar, aproveitando o ponto fraco da ausência de uma marinha de guerra e impedir a retirada dos rebeldes por terra.

Francisco de Paula Cavalcanti de Albuquerque marcha pelo interior da capitania pernambucana comandando a maior parte das tropas republicanas ao encontro da tropa vinda da Bahia, encontrando no trajeto forte antipatia dos proprietários de terra e das autoridades locais. Nessa expedição os revolucionários venceram algumas forças organizadas às pressas pelos senhores locais, obrigando-as a ir para o sul.

Na medida em que as tropas vindas da Bahia penetram nos territórios alagoano e pernambucano, vários povoados os apoiam. Percebendo a fragilidade das forças revolucionárias, partidários leais à Coroa iniciam ataques nas capitanias da Paraíba e do Rio Grande do Norte. Ocorrem combates no interior e pequenas localidades. Em algumas vilas, como na paraibana Mamanguape, os rebeldes resistem casa por casa, mas são obrigados a recuar para a capital.

A primeira derrota dos rebeldes pernambucanos ocorreu em 02 de maio na batalha do engenho Utinga, seguida de outra mais grave, em 13 de maio, no engenho Trapiche, perto de Serinhaém. Nesta última, em desvantagem numérica, os republicanos abandonam toda sua artilharia e boa parte de sua munição, além de ter aproximadamente 300 homens feitos prisioneiros. Diante da impossibilidade de sustentar o ataque, as forças rebeldes retiram-se durante a noite para Recife.

Outra expedição republicana que seguia pelo litoral, liderada por Domingos José Martins, membro da Junta Governista, foi surpreendida em 16 de maio pelo capitão José dos Santos, das milícias de Penedo, quando este atravessa o Rio Merepe comandando quase 300 homens em duas companhias de infantaria, duas de pardos de Penedo e uma de caboclos do Atalaia. O destacamento republicano foi dizimado próximo ao engenho Pindoba e Domingos José Martins foi ferido e preso.

FonteSylvio Mário Bazote – Historiador e Psicólogo de Juiz de Fora – Minas Gerais

8 - Cerco e Rendição de Recife


O cerco das tropas baianas com um efetivo de aproximadamente 4 mil homens se fecha sobre Pernambuco por terra e mar, e em Recife a comida começa a faltar. Percebendo a situação insustentável, o governo provisório manda o ouvidor José da Cruz Ferreira com uma proposta de rendição ao almirante Rodrigo Lobo, caso fosse concedida anistia a todos rebeldes e o direito de saírem do país quando quisessem. O almirante só aceita a rendição incondicional.
Bloqueio do Porto do Recife
Ao saber da resposta, parte da população se prepara para defender a cidade e outra parte foge para bairros distantes e povoados que ofereciam maior segurança. Os ricos comerciantes portugueses se unem e oferecem 100 contos aos membros do governo para que renunciem à luta e saiam da cidade. A oferta é recusada. Tentando controlar a situação, a Junta Governista concede poderes ditatoriais ao representante das Forças Armadas, ex-capitão e agora general Domingos Theotônio Jorge Martins Pessoa.

Chega então a Recife, Francisco de Paula Cavalcanti de Albuquerque com o que resta das tropas revolucionárias, derrotadas nas batalhas dos engenhos Utinga e Trapiche.

Em 17 de maio, Domingos Theotônio envia novamente o ouvidor como mensageiro à presença do almirante com o aviso de que o chefe republicano insiste na proposta de rendição com anistia e espera uma resposta favorável o meio-dia do dia seguinte, caso contrário seriam degolados todos os militares e civis do partido realista presos. Além disso, também seriam mortos todos os portugueses que se encontravam na cidade e os bairros de Boa Vista, Santo Antônio e Recife seriam incendiados e arrasados.

Novamente o almirante não cede e se passa o prazo do dia 18 de maio. Na manhã de 19 de maio, Domingos Theotônio resolve abandonar a cidade levando para o interior algumas forças, equipamento militar e os cofres do tesouro público, com a intenção de resistir em local e momento mais favoráveis utilizando tática de guerrilhas. Foi acompanhado pelos membros do governo, padre João Ribeiro de Pessoa de Mello Montenegro e o ouvidor Antônio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva. No final da tarde, a tropa acampa no engenho Paulista, distante aproximadamente 20 quilômetros de Olinda.

As forças republicanas que permanecem em Recife, constituídas em sua maior parte de milícias irregulares, não tinham condições de superar forças militares profissionais em maior número e com mais armamento. Para evitar maior derramamento de sangue e pensando em sua situação pessoal, ainda no dia 19 de maio, o general Francisco de Paula Cavalcanti de Albuquerque abre negociações com os chefes militares portugueses. O almirante Rodrigo Lobo exige a rendição incondicional e imediata dos revolucionários.

O governo provisório republicano de Pernambuco, isolado e sem defesas, se rende incondicionalmente em 20 de maio de 1817, depois de 74 dias de existência, e o almirante Rodrigo Lobo desembarca em Recife, assumindo o governo da capitania.

O almirante foi recebido com festas e é aclamado nas ruas aos sons dos sinos das igrejas e banda de música. Grande parte da população de Recife, que em março comemorou a revolução republicana, celebrou em maio a restauração do regime monárquico. Pessoas invadem as casas dos chefes da revolução, saqueando e queimando-as. A bandeira portuguesa é hasteada nos mastros dos quartéis e repartições públicas, saudada pela artilharia das fortalezas.

FonteSylvio Mário Bazote – Historiador e Psicólogo de Juiz de Fora – Minas Gerais

9 - Prisão e Morte dos Revolucionários de 1817


No acampamento da tropa revolucionária em retirada, próximo à meia-noite, os líderes derrotados se reúnem em conselho buscando uma resolução, que não é alcançada. Após esta reunião, o padre João Ribeiro entra na capela do engenho e enforca-se. Ao longo da noite, na ânsia de salvar a vida, as pessoas aos poucos vão se retirando e na manhã seguinte não restava quase ninguém no engenho Paulista. O equipamento militar e os cofres com o tesouro público permaneceram, intactos, no local.
Domingos Theotônio e padre Miguelinho são presos enquanto tentam fugir. O ouvidor Antônio Carlos apresenta-se voluntariamente na cadeia de Igaraçu. José Luís de Mendonça, que não saiu de Recife, se apresenta ao almirante Rodrigo Lobo. Estes e outros presos envolvidos no movimento são enviados em três navios de guerra para a Bahia para serem julgados.

No Rio Grande do Norte, em 26 de abril de 1817 os legalistas já haviam deposto a junta revolucionária, ocasião em que foi morto por espadas o coronel de milícias André Albuquerque de Maranhão, membro da junta revolucionária. Em junho reassumiu o governo da capitania o capitão-mor José Inácio Borges.

Na Paraíba, percebendo as dificuldades do movimento republicano em Pernambuco, uma junta legalista local conseguiu retomar posse com um governo interino em 07 de maio de 1817, prendendo os principais líderes republicanos locais.

O capitão José de Barros Falcão de Lacerda, retornando da Ilha de Fernando de Noronha, foi detido juntamente com alguns militares e ex-presos que estavam na ilha, ao desembarcarem na Baía da Traição, na Paraíba. Para a ilha foi mandada parte da frota que bloqueava Recife, dominando facilmente os poucos militares que lá se encontravam.

Em 29 de junho de 1817, com a revolução já controlada, chega a Recife o novo governador, capitão-general Luís do Rego Barreto, acompanhado dos 4 mil homens vindos do Rio de Janeiro, que em pouco tempo receberiam o reforço das tropas vindas de Portugal, com experiência em combate contra os franceses na Península Ibérica.

Militar rígido e fiel ao rei, o novo governador de Pernambuco era favorável a uma punição exemplar para os revolucionários. Seguiram-se nove meses de prisões, julgamentos e execuções. O número de executados só não foi maior porque Luís do Rego Barreto se desentendeu com as autoridades judiciárias pernambucanas, o que ocasionou a transferência de muitos prisioneiros para a Bahia.

No dia da partida de Recife para Salvador, os prisioneiros são obrigados a caminhar pelas principais ruas da cidade acorrentados nas mãos e pés. Os navios que irão levá-los estão repletos de portugueses e realistas que os insultam. Os prisioneiros são presos no pescoço com correntes que os obrigam a permanecer deitados durante a viagem, onde recebem comida propositalmente salgada e não recebem água.

Entre os participantes da Revolução de 1817, treze presos foram condenados à morte. Quatro foram fuzilados em Salvador. Em Pernambuco, nove foram enforcados, tendo depois seus corpos esquartejados, com as cabeças e mãos expostas em diferentes locais públicos de Pernambuco e da Paraíba, e os troncos amarrados e arrastados por cavalos até o cemitério.

Fontes sem confirmação estimam aproximadamente 1600 mortos ou feridos nos combates, 800 degredados (números que se pode considerar exagerados) e 117 presos em Salvador por quatro anos, até serem anistiados em 1821.

Morreram ainda como consequência direta no envolvimento da revolução em 1817:
José Inácio Ribeiro de Abreu e Lima (padre Roma): Nascido em Recife, teólogo e bacharel em Direito, deixou a vida sacerdotal para dedicar-se à advocacia e à política. Enviado pelo governo revolucionário à Bahia, foi descoberto, preso, rapidamente julgado, condenado e fuzilado em 29 de março de 1817 no Campo da Pólvora em Salvador, três dias depois de ser preso. A execução foi assistida obrigatoriamente por seu filho, então capitão José Inácio de Abreu e Lima, posteriormente conhecido como general Abreu e Lima.

João Ribeiro de Pessoa de Mello Montenegro (padre): Maçom. Nascido em Tracunhaém, Pernambuco, era professor do Seminário de Olinda e foi eleito presidente da junta governista revolucionária em Pernambuco. Construiu uma biblioteca particular em sua residência, disponibilizando volumes para vários companheiros de ideologia iluminista. Com a derrota da revolução, suicidou-se no interior da capela do engenho Paulista. Três dias depois de seu suicídio, o corpo enterrado ao lado da capela foi exumado e mutilado, suas mãos enviadas para Goiana (PE), e sua cabeça, após ser exibida pelas ruas de Recife ao longo do dia da exumação, por ordem do governador ficou espetada por dois anos no poste do pelourinho em frente à Igreja do Corpo Santo, no Recife.

André de Albuquerque Maranhão (coronel de milícias a cavalo): Nascido em Canguaretama, Rio Grande do Norte, foi um dos líderes do movimento separatista, tornando-se presidente do governo provisório no Rio Grande do Norte diante da pouca ação do padre Dornellas, escolhido para o cargo. Em 26 de abril de 1817, sentado à mesa dos despachos, teve sua sala invadida pelos contra-revolucionários. Negou-se a se entregar e reagiu, sendo ferido por Antônio José Leite Pinho, que o atingiu com a espada. Ferido, foi conduzido para a Fortaleza dos Três Reis Magos e colocado a noite inteira no chão molhado de uma cela escura. Agonizou sem assistência e perto de sua morte, seu amigo – padre Dornellas – prestou-lhe as últimas orações. Morto aos 40 anos, pela manhã, transportaram seu corpo nu e coberto com sangue coagulado para ser sepultado sem caixão na Igreja Matriz. Seu cadáver foi enterrado com grilhões.

Em 06 de fevereiro de 1818, por ocasião da aclamação do rei Dom João VI, foi determinada a suspensão da devassa sobre a revolução e de novas prisões. Os réus sem culpa comprovada foram libertados, continuando presos em Salvador os envolvidos que estavam com processo formado.
Em 10 de fevereiro de 1821 são anistiados e libertados 117 rebeldes presos em Salvador, em um momento que Dom João VI buscava apoio para enfrentar o crescente questionamento de sua autoridade em Portugal. Entre os libertos estava o frei carmelita Joaquim do Amor Divino Rabelo Caneca (Frei Caneca) e outros que participariam da Confederação do Equador(8) em 1824. O padre Francisco Muniz Tavares e o ex-ouvidor de Olinda, Antônio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva, recém-saídos da prisão em Salvador, foram eleitos para representar o Brasil em Portugal nas Cortes Constituintes(9) de 1822.

O capitão-general Luís do Rego Barreto recrutou grande número de soldados entre a população pernambucana, formando uma volumosa tropa comandada por oficiais portugueses de sua confiança. Com a tropa mantinha a população sob rigorosa vigilância.

Se era fácil controlar os moradores de Recife e Olinda, o mesmo não ocorria no interior da capitania, dominado pelos grandes proprietários que possuíam muitos escravos e moradores pobres dependentes. Isso permitiu que os senhores de terras se organizassem para resistir às determinações do novo governo, levando a uma nova revolução na região em 1824, a Confederação do Equador.

A tradição republicana de Pernambuco lhe trouxe perdas territoriais. Em 16 de setembro de 1817, como prêmio à colaboração dos alagoanos na revolução, a Comarca das Alagoas foi desmembrada de Pernambuco, tornando-se uma capitania. Nova perda ocorreria em 1824, quando após a Confederação do Equador, a Comarca do São Francisco, que lhe pertencia, seria anexada à Minas Gerais, sendo transferida em 1827 para a Bahia.

FonteSylvio Mário Bazote – Historiador e Psicólogo de Juiz de Fora – Minas Gerais